Leandro
Évora
Noite
Vamos entrar no Solar do Templo, onde a festa começou atrasada e não tinha indícios de terminar.
Évora
Noite
Vamos entrar no Solar do Templo, onde a festa começou atrasada e não tinha indícios de terminar.
As quintas eram bons dias para os patronos do Solar. Se aguentassem a noite, fechavam com os bolsos cheio. A tuna podia ser barulhenta e trazer o Inferno à terra, mas comiam bem e bebiam melhor. Já faziam parte da mobília, tanto que quando reservavam, os empregados organizavam as mesas em U para os cabeças da trupe terem lugar de destaque.
No entanto, enquanto que as travessas de carnes voavam da cozinha para as mesas e a bebida desaparecia magicamente sabe-se lá para onde, havia um lugar vazio entre os excelentíssimos. O Dux tinha abandonado a festa há quase cinco minutos para calar o telemóvel.
“Estou com a mãe no hospital. O pai morreu.”
“Como?” Perguntou o Leandro.
“A dormir. Uma enfermeira ficou na sala até adormecerem e na hora do jantar, já tinha ido.”
“Como é que ela está?”
“Oh, já estávamos à espera, mas está triste. E tu?”
“Não sei. Normal... ‘Tás fixe?”
“Cá estou. É o que disse, mas vamos ficar bem. Vens cá?”
Houve uma pausa na chamada.
“Sim. Só por vocês...”
“Ela vai gostar de te ver.”
“O que ela está a fazer?”
“Está ao telefone. Já está a tratar das coisas.”
“Vai ter com ela. Vou acabar aqui para ir cedo amanhã. ‘Txau”
“Até amanhã. Liga se quiseres.”
“’Tá. Obrigado. Vocês também.”
Enfiou o telemóvel nas calças e deixou-se tombar contra a parede. A noite eborense estava um pouco abafada, mas não era isso que o impedia de trajar e ter várias camadas de roupa em cima. Esfregou a careca e coçou-a. Percorreu os botões da camisa e quando ia abrir o de cima, hesitou e coçou a barba loira.
Recuperou o telemóvel do bolso e marcou. Levantou a câmara ao nível da cara e esperou que o vídeo ligasse, mas chamou, chamou e chamou. Quando o correio de voz falou, desligou logo. Voltou ao bolso.
Tinha as mãos apertadas em punhos, com as unhas a cravar na pele. Lá dentro a festa continuava como se nada tivesse acontecido e a música ébria embalava os mais fracos. Precisavam que alguém os chamasse à atenção para espevitarem. Assim que voltasse à mesa, iam ver. Iam cantar, dançar e saltar do sono. Podiam dormir quando morressem como o outro.
A porta abriu-se e dois rapazes sem traje saíram. Um deles acendeu um cigarro e dançou uma jiga com o amigo a rir. Estavam bonitos, aqueles.
“Caloiros” chamou o Leandro que se aproximou.
“Dux!” O rapaz do cigarro atira-o para o chão e esmaga-o. O outro mete-se em sentido e não sabe porquê.
“Népia, népia. Aqui estamos entre amigos.” O careca barbudo aproxima-se da luz do Solar e coloca os braços por cima dos ombros dos rapazes. “Preciso de um favor. Acabei de receber umas notícias que nem sei se são boas ou más.” Riu-se para um deles.
“Estou uma beca fodido do vinho e preciso de clarear as ideias.” Os outros riram de volta. O Dux largou-os e procurou por algo no bolso do casaco. Levantou a carteira à luz e tirou duas notas de vinte.
“Vinte euros para cada um se me fizerem este jeitinho. Quero que me dêem dois socos nas ventas. Dez euros por cada sopapo é dinheiro fácil! Han?” Abanou as notas no ar. Os rapazes entreolharam-se um bocado parvos, metade já tocados, mas conscientes que aquilo era um grande não.
“Dux?”
“Não. LE-AN-DRO. E vocês?”
“José.”
“Mário”
“Zeca e Mário. Zeca, tu tens bom corpo. Vens primeiro, vá.” Voltou a sacudir a nota no nariz do caloiro. E não é que aceitou? Puxou os vinte euros com a mão esquerda e chicoteou a direita contra a bochecha do Leandro.
“Uf! Porra! OK, mais um, mais um! Caralho, tinha razão, és pedra!” O outro soco rasou o queixo, mas o suficiente para o Dux girar sobre os pés contra a parede.
“Filho da puta de murros. Não quero ser nada teu inimigo.” Esfregou o queixo e cuspiu um fio de gosma e sangue. “Vá, Mário, vinte euros, amigo.”
“É melhor não. Aqueles já foram suficientes, não acha?”
“Mário?”
“Não tenho razões para lhe bater.” O Dux salta da parede para a frente do rapaz.
“Eu não te pedi uma razão. Pedi-te um favor e tu recusas.” Apertou a nota e fez um punho que empurrou contra a testa do Mário. Cambaleou para trás e ia caindo se não fosse o Zeca.
“Dez euros já se foram. Zeca, dez euros? Dá-lhe um dos teus.” O Zeca amparava o amigo e fitava o Leandro. A música do interior cumpria o dever de banda sonora daquela cena de filme de série B e ninguém parecia ter reparado. “Também mo vais negar? Não peço muito. Um murro e voltamos para dentro.”
O Mário endireita-se e prepara-se para desferir um murro, mas o outro desvia-se.
“Não, aprende a ouvir. Tiveste a tua chance, perdeste-a, agora é a vez dele.”
O amigo recolhe o braço direito e soca-o no ombro. Um compromisso menos doloroso que a cara. O Leandro entendeu a boa acção e riu-se. Rasgou a nota de vinte euros e atirou as duas metades para cima dos rapazes.
Voltou-se, ajeitou a capa ao ombro e voltou para o Solar do Templo, deixando os caloiros no passeio.
A festa continua.
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