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quarta-feira, 3 de outubro de 2018

WRITOBER 2018 | 3 | O Dragão Lusitano

Jordão
Lisboa

Tarde

Porque tatuam?

Gostam da arte? Sentem que ficam mais badass com o corpo marcado? Acham que cada tatuagem tem um sentido ou emoção ou memória?
Talvez a dor lhes dê prazer - também há pessoas assim. A sensação da agulha a penetrar na pele, a rasgar e a sangrar. Hum, até senti um arrepio...
Também acho que tem o seu quê de erótico.
Se Freud tatuasse, teria bastante a dizer. Mais, teria uma daquelas tatuagens a dizer “AMOR DE MÃE - 1930. Logo abaixo teria uma sleeve com uma tese de doutoramento sobre o significado.

Depois temos o Jordão e os seus clientes...

“Mano, tu queres onde?!” Houve ali aquele riso de embaraço e a voz a falhar. Se metessem pausa, viam o cérebro a saltar de incrédulo para alguém que estava a ouvir a melhor anedota do mundo. Só que não.
“É isso mesmo, Jordão! Na pila!” Há algo de surreal quando ouvimos o nosso nome e pila na mesma frase sem conotação sexual. O cliente apontou para as calças e o Jordão quedou-se. O homem era estupidamente belo com uma crina loira, escorrida pelo ombro direito; sobrancelhas e goatee a condizer; um nariz e lábios de estátua grega. Vestia umas calças de ganga gastas e uma t-shirt lisa, com um blazer da moda por cima. O tatuador sentou-se. Devia estar todo fodido quando aceitei.
“Ouve, quando li um dragão enrolado no membro... Pensei, sei lá... No braço. Ou na perna!” Uma valente dose de adrenalina percorria-lhe o corpo. Se tinha de ser profissional, queria mandar grande what the fuck para a sala. Tinha de deixar de fumar ao lidar com clientes...
“Nada disso, Jordão. Teria logo dito braço ou perna, não era?” Por sua vez, o tom do cliente era sério e nada condescendente. “Eu gostei do teu trabalho e quero que sejas tu.”
“Agradeço a honra, mano.” Agradeço? Parou para considerar o elogio. “Mas porquê?” E deixou o porquê pairar na conversa.
“Jordão,” não me gastes o nome... “Quero expandir a minha imagem. A minha marca. Quando fizemos a primeira, ainda só fazia amadores, mas agora?” Esfregou as palmas da mão com ansiedade, “vou filmar no estrangeiro! E fazes lá ideia do quão fodida é a pornografia lá fora. Eu quero ser a próxima Fontes!, mas em homem!” E abriu as mãos no ar para desenhar um cartaz invisível, “quero ser: o Dragão. Lusitano!” Sublinhou cada palavra.
Ai que caralho... só me sai merda na rifa, chorou uma lágrima por dentro.

Até as paredes do estúdio estavam caladas, mas sentia os olhares do pessoal colados às costas.
Suspirou, “Vai ser mais caro...” e assim talvez desista.
“Seja! Pago o dobro! Tenho um maço no bolso e não é só por estar contente!” Pontuou com um sorriso Colgate.
“Depilação. Doenças. Limpeza...” Nesta altura já estava na fase de aceitação.
“Feita. Saudável e com atestados. Limpinho, mas posso limpar mais.”
“Vamos lá para trás, então. Deita-te e tira as calças.”
“Obrigado, Jordão.” O homem passou pelo tatuador e apertou-lhe os ombros. “Prometo que não olho nos olhos. Só em trabalho.” E uma gargalhada explodiu atrás deles, mas morreu logo.
Ficou sozinho, passou a mão pelas rastas e bufou. Vamos a isto. Quando se levantou viu os colegas em sentido, mas vermelhos de prenderem o ar. 

Que imagem bonita: o actor porno com ar de quem tinha criado uma startup, com aparência de quem bebia café to go e comia bagels. E o tatuador negro, com rastas pelos ombros, polo da Lacoste e calças cargo; tatuagens a cobrir os braços e que gostava de fumar a sua. Um quadro à espera de pincel. Já o Jordão...

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