Leandro
Jordão
Lisboa
Uma semana depois
Quem diria. Passou uma semana desde a batalha em Tomar, e cá estamos:
O Diogo desapareceu sem rasto; a Mariana esperou pelo Leandro que não apareceu e foi ter com o avô, esperar o amigo; o Jordão continuou por Lisboa e decidiu ficar com o restaurante, com a Celeste a matar saudades daquela cozinha e de preparar umas boas papas; o Augusto faleceu nos braços do filho do melhor amigo que, por ironia do destino, acabou por abraçar dois cadáveres em poucos dias; a Cátia continuou na casa da Quicas, a convite da matriarca e passeou por Setúbal, a experimentar restaurantes e a escrever poesia. O Leandro não se encontrou com a Mariana porque levou o Augusto ao hospital, e como nenhum familiar quis reclamar o corpo, autorizou a cremação e regressou a Lisboa com as cinzas.
E é em Lisboa que o encontramos, fechado n’O Tropa com o Guilherme e o Jordão. O Guilherme apresentou-os e o ambiente estava mais tenso que uma gelatina esquecida no fundo do frigorífico e que nem uma faca de serrilha conseguia cortar.
O dux estava escondido na mesa do canto, com a escuridão a cobrir-lhe metade do corpo e com o vaso de cinzas em cima da mesa. Parecia perdido na sua cabeça e falava em frente, sozinho, ou talvez com o vaso e com o velho. Quem o ouvisse, também não entendia nada; a boca mexia-se mas só se ouviam bichanices. Não deu pelos irmãos entrarem no restaurante. Teve de ser um dos companheiros da tuna a puxá-lo para o mundo real, mas quando reparou no Guilherme já parecia outro e sorriu.
Uma semana até pode parecer pouco tempo, mas demasiado quando a cabeça bate mal. Quando o Guilherme viu o irmão desde o funeral achou-o distante e difuso como se estivesse preso entre o desaparecer e o aparecer, como se fosse fumo indeciso; trocou a postura altiva e energética por uma mais curvada como se carregasse o peso dos dois corpos.
A verdade é que quando olhava para um lado e para o outro via o pai e o Augusto, mas estes espíritos ou memórias não o assombravam nem nada do género, apenas estavam ali como sempre estiveram em vida sem prestar atenção ao pequeno Leandro.
E estava chateado - não, fodido da vida. Se havia coisa que odiava era ser ignorado: o pai, a Mariana, agora o Augusto e aquelas cinzas ali pareciam rir-se dele.
Portanto, quando conheceu o novo irmão, o estado mental dele não era dos melhores. O que até ajudou porque ele nem quis saber se tinha um ou cem irmãos, se eram pretos ou amarelos, cangurus ou jacarés. Na verdade, ele só queria saber de uma coisa: do restaurante. Quando soube do testamento e por ser o mais velho, achou que tinha prioridade sobre O Tropa e o plano dele era... Mudar-lhe as fechaduras e deixá-lo ali a apodrecer.
Sim, isso mesmo, deixar aquela merda a apodrecer a um canto como o seu pai na terra e aquele jarro. Que se fodam todos, até os irmãos.
Mas o Jordão tinha planos: ele queria ficar com o restaurante e dar parte dos lucros ao Guilherme que também teria direito a pratos grátis. Era um plano sólido, e quanto mais pensava nisso, mais parvo o achou. Com uma varredela da mão, dispensou-os e voltou a atenção para o vaso. Encolheu-se na cadeira e sentiu-se sozinho, uma sensação que lembrava tomar banho de água gelada.
Encostou-se mais para o canto e desapareceu na escuridão do restaurante.
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