Mariana
Tomar
Manhã
Ela e o avô arrancavam todas as manhãs para procurar o Diogo. Saíam de carro,
com o telemóvel dele e um power bank, e iam pelas estações de serviço e aldeias com fotos. Ninguém o
tinha visto e aquele medo automático de que pudesse estar caído no mato aumentava.
Uma após a outra, café após outro e não atrás
de não. A polícia acabou por ser notificada e as buscas começaram, mas com as
esperanças reduzidas. Entretanto, ela e o avô varriam mapas e contrariavam o
GPS; deixavam o carro na berma e enfiaram-se nos matos com varas e berreiros. E
um dia e, por exclusão de partes, tropeçaram num sítio que não constava dos
mapas e era apenas um borrão no Google Maps...
Diogo
???
Manhã
Bom dia, menino!
Mesmo que a educação fosse robótica, era tão
bom ouvi-lo pela manhã, ao entrar no café. O velhote da parede lá estava, o
empregado também e os cafés despejados eram outra constante, mas com a chegada
do rapaz houve uma ligeira alteração à programação e à rotina dos habitantes de
Andros.
Durante uma semana, o Diogo comeu e bebeu sem
se preocupar com o fundo do barril porque a aldeia continuava a ser abastecida
por uma carrinha que chegava e sumia sem um logo ou identificação. E como
ninguém se preocupava, não era ele a começar. A meio da semana veio outra
carrinha com homens de fato-macaco que passaram as mãos pelos velhos e partiram
umas horas depois. Passou esse dia escondido em casa, mas nos outros passeava,
dormia e bebia. E quando se fartou, tirou uma resma de papel e começou a escrever.
Noutro dia, assim para o final da semana, viu
no rodapé das notícias que tinha desaparecido... eh, alguém andava à sua
procura...
Cátia
Montijo
Almoço
A miúda com uma missão. Apanhou o barco, outro
barco e um autocarro e chegou ao destino: um restaurante com pinta de snack bar
que também servia bitoques; entrou e pediu o habitual e sentou-se na rua para
não ouvir os donos a discutir.
Se pensasse bem no assunto, isto de andar de
cidade em cidade, de restaurante em restaurante, até era porreiro e uma óptima desculpa para conhecer o país, mas a
saudade de casa já batia sorrateiramente no coração. Talvez devesse ligar aos
pais, decidiu. E dar-lhes a boa notícia. A mesa tinha duas cadeiras e a da
frente, uma cadeira de plástico, estava saída como se alguém se tivesse
levantado para ir à casa de banho. Imediatamente lembrou-se do Augusto e das
lições de bitoques, das histórias da tropa ou das cidades onde tinha saído. Ele
era tão rabiscado quanto o seu bloco e havia sempre mais uma coisa para escrever.
Falando nisso, tirou-o para cima da mesa e quando ia começar a escrever,
reparou no rodapé das notícias e de um desaparecido em Tomar.
Leandro
Jordão
Lisboa
Almoço
Lisboa
Almoço
Um dos trajados entrou com sacos de plástico
cheios de comida e outro entrou com dois jerricãs, com um líquido que não devia
ser água.
Os dois irmãos estavam à porta e nenhum podia
entrar, mas da janela viam o Leandro sentado na mesma mesa da última vez. Ora
afundava-se nos braços e berrava aos tunos, ora enfrascava-se em litrosas e cantava com os restantes. E ali, bem
no meio das duas personas, estava o irmão que o Guilherme não via há anos, mas
era muito rápido.
Eles faziam lá ideia do que o Leandro estava a
passar ou a ver ou a ouvir. Num lado tinha o pai a mandar o restaurante à merda
e para botar fogo a tudo; que o restaurante lhe comeu o corpo e a cabeça. No
outro tinha o Augusto saudosista, a amar estar ali e a querer continuar. E
quando uma voz falava mais alto, a mente inclinava-se como uma balança. Às
tantas pediu ao pessoal para lhe trazer ingredientes para cozinhar e gasolina
para queimar O Tropa. Independente de quem ganhasse, ele iria perder. Ou perder-se.
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