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domingo, 28 de outubro de 2018

WRITOBER 2018 | 27 | Linhas Paralelas


Mariana 
Tomar 
Manhã

Ela e o avô arrancavam todas as manhãs para procurar o Diogo. Saíam de carro, com o telemóvel dele e um power bank, e iam pelas estações de serviço e aldeias com fotos. Ninguém o tinha visto e aquele medo automático de que pudesse estar caído no mato aumentava. 
Uma após a outra, café após outro e não atrás de não. A polícia acabou por ser notificada e as buscas começaram, mas com as esperanças reduzidas. Entretanto, ela e o avô varriam mapas e contrariavam o GPS; deixavam o carro na berma e enfiaram-se nos matos com varas e berreiros. E um dia e, por exclusão de partes, tropeçaram num sítio que não constava dos mapas e era apenas um borrão no Google Maps... 

Diogo 
??? 
Manhã 

Bom dia, menino! 
Mesmo que a educação fosse robótica, era tão bom ouvi-lo pela manhã, ao entrar no café. O velhote da parede lá estava, o empregado também e os cafés despejados eram outra constante, mas com a chegada do rapaz houve uma ligeira alteração à programação e à rotina dos habitantes de Andros. 
Durante uma semana, o Diogo comeu e bebeu sem se preocupar com o fundo do barril porque a aldeia continuava a ser abastecida por uma carrinha que chegava e sumia sem um logo ou identificação. E como ninguém se preocupava, não era ele a começar. A meio da semana veio outra carrinha com homens de fato-macaco que passaram as mãos pelos velhos e partiram umas horas depois. Passou esse dia escondido em casa, mas nos outros passeava, dormia e bebia. E quando se fartou, tirou uma resma de papel e começou a escrever. 
Noutro dia, assim para o final da semana, viu no rodapé das notícias que tinha desaparecido... eh, alguém andava à sua procura... 

Cátia 
Montijo 
Almoço 

A miúda com uma missão. Apanhou o barco, outro barco e um autocarro e chegou ao destino: um restaurante com pinta de snack bar que também servia bitoques; entrou e pediu o habitual e sentou-se na rua para não ouvir os donos a discutir. 
Se pensasse bem no assunto, isto de andar de cidade em cidade, de restaurante em restaurante, até era porreiro e uma óptima desculpa para conhecer o país, mas a saudade de casa já batia sorrateiramente no coração. Talvez devesse ligar aos pais, decidiu. E dar-lhes a boa notícia. A mesa tinha duas cadeiras e a da frente, uma cadeira de plástico, estava saída como se alguém se tivesse levantado para ir à casa de banho. Imediatamente lembrou-se do Augusto e das lições de bitoques, das histórias da tropa ou das cidades onde tinha saído. Ele era tão rabiscado quanto o seu bloco e havia sempre mais uma coisa para escrever. Falando nisso, tirou-o para cima da mesa e quando ia começar a escrever, reparou no rodapé das notícias e de um desaparecido em Tomar. 

Leandro 
Jordão
Lisboa
Almoço

Um dos trajados entrou com sacos de plástico cheios de comida e outro entrou com dois jerricãs, com um líquido que não devia ser água. 
Os dois irmãos estavam à porta e nenhum podia entrar, mas da janela viam o Leandro sentado na mesma mesa da última vez. Ora afundava-se nos braços e berrava aos tunos, ora enfrascava-se em litrosas e cantava com os restantes. E ali, bem no meio das duas personas, estava o irmão que o Guilherme não via há anos, mas era muito rápido. 

Eles faziam lá ideia do que o Leandro estava a passar ou a ver ou a ouvir. Num lado tinha o pai a mandar o restaurante à merda e para botar fogo a tudo; que o restaurante lhe comeu o corpo e a cabeça. No outro tinha o Augusto saudosista, a amar estar ali e a querer continuar. E quando uma voz falava mais alto, a mente inclinava-se como uma balança. Às tantas pediu ao pessoal para lhe trazer ingredientes para cozinhar e gasolina para queimar O Tropa. Independente de quem ganhasse, ele iria perder. Ou perder-se.

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