Os dois rapazes chegaram a meio do túnel quando o Joel ordenou ao amigo para esperar.
“Pode ser um segurança a fechar o jardim.”
Mas a traseira do amigo já tinha desaparecido no escuro. Então quedou-se onde estava, com aquela serpente nos ombros a sibilar-lhe medos.
O soldado apressou-se rasteiro, com a mão fechada no punho da espada e quando deu com a saída, deparou-se com outro cenário. E ouviu tudo.
A tormenta agita o coração do homem bom.
O Joel saiu para a claridade do poço e marchou de espada no ar.
Que sem porto seguro, afoga-se.
O relâmpago da voz da Vera rasgou o tempo e a lâmina desceu nas costas do amante perdido no oblívio da ternura.
A lâmina saiu por baixo, arrastando sangue atrás que espargiu o mármore do poço. O homem deixou cair a Vera e arqueou-se com a dor e com o choque. Lançou as mãos às costas como um insecto tonto a morrer e grunhiu de desespero e confusão.
Quando finalmente se virou para encarar o atacante, a Vera já estava a correr para ele. Mais sangue a escorrer.
Houve uma tentativa de falar, de chamar pelo nome da sua Vera, mas tanto a voz como o equilíbrio lhe falavam. Cambaleou para trás e viu o segundo homem a formar-se do túnel.
“Vera...” balbuciou e o mármore alagado fugiu-lhe dos pés.
Ia caindo de costas se não tivesse sido amparado por alguma coisa. Apenas deslizou até se sentar no chão, deixando um rasto de sangue pendurado no ar.
Ainda conseguiu ver o segundo homem a deter o atacante. A Vera estava a esmurrá-lo, e a pontapeá-lo. A espada estava pendurada toscamente na sua mão como se não a quisesse usar nos outros.
E a sua expressão. Ele não estava satisfeito; não estava enfurecido. Estava morto.
E à medida que as pálpebras do Fausto se cerravam, algo de curioso aconteceu. O ribombar de tambores. Sim, dos anjos que o viriam receber. Uma vez bardo, para sempre bardo. Parvo, o bardo.
E os tambores aproximavam-se num crescendo ensurdecedor e metálico.
“Vera” tentou de novo, a apontar para a luz que crescia no fundo do seu túnel.
Depois, o anjo em forma mulher, longo cabelo loiro e solto. A figura angelical vinha ornamentada de branco que absorvia a lua no manto nocturno. E logo atrás, outros quatro anjos.
O Joel arremessou a Vera pelo chão que escorregou para o Fausto e abraçou-o. Estava a gritar por ele. Pelo outro. Raiva? Desespero. Apertou-o contra o peito quente e irrequieto. O segundo homem reparou no casal e para o encarnado a pairar no ar. A porta? A porta! Correu para os dois, agachou-se e pediu alguma coisa, mas só os lábios se moviam urgentes.
Já o Joel segurava a espada com uma firmeza renovada para amparar a investida do anjo. Também ele gritou ao segundo homem.
Com um golpe de espada, o Joel separou a cabeça de um anjo que rebolou para o contorno do túnel. Outro anjo substitui-o, fazendo-o recuar, mas a mulher separou-se da confusão quando reparou no grupo encostado à porta.
Sorriu e contornou a confusão de anjos contra demónio.
Aquele homem junto ao casal, ergueu o moribundo por baixo dos braços com a ajuda da mulher desesperada e varreu o ar com a mão até sentir a esfera metálica familiar. Com um puxão ansioso, trouxe a porta para fora e berrou para entrarem. A mulher recusou, agarrou no amante e implorou, implorou pela abertura do céu quando tinha a segunda melhor coisa ali. E com o braço livre, o homem da porta empurrou-a para dentro e atirou-se de seguida com o outro.
A verdadeira expressão do anjo distorceu-se em fúria e desespero, porque os anjos também usam máscaras, e atirou a lança ao ar. Apanhou-a erecta e lançou-a contra a porta.
A lança era uma arma, mas naquele exacto momento era sua mão - a Mão. A autoridade celestial daquela mulher que estava prestes a deixar a presa fugir pela segunda vez, mas o homem teve de sair da porta, agarrar na porta e puxá-la para dentro.
Sentiu o choque frio do metal a rasar-lhe a vista e fechou a porta, cobrindo-os na segurança da escuridão entre mundos.
Não demorou para que o som voltasse.
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