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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

WRITOBER | 2019 | SETE

Admirável Mundo Novo


A água dava-lhe pela sola das botas. Não fosse o eco do chapinhar e nem dava por ela, a menos que fosse de mãos e queixo ao chão.
Quando parava, o silêncio ali era absoluto. E aquela escuridão que vinha de todos os lados e o perseguia até à outra porta. Não fosse a lanterna do telemóvel e teria ficado ali a definhar, a beber daquela água.
Então caminhou em frente, um splash a seguir ao outro. Sentiu-a na palma da mão erguida. Esta já era bem sólida.
Passeou a mão pela superfície, por todos as depressões e relevos e pelos detalhes à luz do telemóvel. Apagou-se. Voltou a premir no botão.
A fechadura era igual à da primeira porta e o globo da maçaneta já estava visível. Não tinha de atirar pó ou fazer macacadas para a revelar: ei-la. Só tinha de a abrir.
E tal como a porta do terreno, na aldeia, esta também não ofereceu resistência. 

Clique. E um fio de luz serpenteou pelos recortes da porta, criando-a para a nova realidade onde ia abrir. Se não tinha sentido a ansiedade quando entrou, agora estava a senti-la em duplicado como um marinheiro a dobrar um cabo, como um explorador a desbravar terreno, como uma criança a abrir os olhos pela primeira vez.
Empurrou a porta e assim que a luz da lua cheia o cobriu, deu o seu primeiro passo para o outro lado. Primeiro, o pé direito para dar sorte.

Era de noite. Quanto tempo passou no túnel, perguntou-se. Com lua cheia e milhares de estrelas naquele novo céu; mais do que as que conseguia ver no outro lado. Uma brisa que veio de lado denunciou os ramos da árvore junto à porta. Tinha folhas e flores; aquela árvore estava cheia de vida. E o chão! Não havia terra morta ou cinzas ali, mas relva selvagem que se espelhava em frente. Não havia piscinas nem muros a sequestrar a natureza.
Só depois ouviu o cavalgar das botas no chão e o ofegar de uma besta açoitada. O Bernardo, num misto de curiosidade e ignorância, espreitou pela porta e foi arremessado contra a árvore. O ar que tinha fugiu dos pulmões e as forças desistiram das pernas, caiu de joelhos a tempo de ver a outra figura a rebolar e a bufar.
Num pânico trapalhão cambaleou para a porta, atirou-se para a água do túnel e quando a ia fechar, ouviu-lhe a voz pela primeira vez:
“Desata-me! Os Braços vêm aí!”
E a lua iluminou-a quando se virou, era uma mulher não muito mais velha do que ele. Tinha os braços atados nas costas e a cara borrada de terra e sangue.
“Rápido!” suplicou.

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