2/10/2010
Outro Fim e o Início
Coitados, e ficavam lá com o corpo em casa.
Fizeram bem em trazer a senhora para cá. Até se me dá um aperto cá dentro se a deixassem lá até segunda.
E os filhos... ai
A conversa distraída, inconveniente, mas bem intencionada das auxiliares chegou aos ouvidos de um dos filhos, o Bernardo. O rapaz estava na rua, com o telemóvel, ora nos dedos ora nos ouvidos, a ligar à família lá de cima.
“Olá, era para dizer que a B. faleceu.”
“A sua prima faleceu.
“A sua tia faleceu.”
“A tua irmã morreu.”
“A minha mãe morreu.”
A minha mãe morreu? O som daquela declaração era estranho. Aquela frase enrolava-se na boca como uma batata – por descascar, cozinhar e lavar. Não se queria habituar a repeti-la.
O solavanco do carro despertou-o daquela memória.
Ele e o irmão estavam a ir para o norte, para a terra da mãe e da restante família. Passou os dedos pelo ecrã táctil do telemóvel e abriu o Reddit. O irmão conduzia calado. O Carlos era o irmão mais novo e tinha o corpo de uma besta: alta e forte; uma montanha. Mas as montanhas não falam, apenas ficam ali. O irmão era pessoa de poucas palavras.
Tinham passado dias desde que os bombeiros levaram o corpo da mãe por cortesia; desde a conversa das auxiliares; mais dias desde o velório e da cremação. O corpo da senhora estava reduzido a pó e a memórias. Jazia dentro de uma urna, dentro de uma arca, aos pés do Bernardo.
Os dois rumavam ao norte, num Fiat azul herdado da mãe. Não era o melhor dos carros, mas servia. O Bernardo não conduzia, deixando esse prazer ao outro. E ele também tinha o melhor sentido de orientação para os levar à terra onde havia nascido a mãe; e crescido e brincado antes de se fazer uma senhora, esposa e mãe.
O Bernardo olhou para o irmão concentrado e disse qualquer coisa que o outro não respondeu. Voltou para o telemóvel. Iam em silêncio. O Silêncio é bom, não? O silêncio é neutro.
A música mudou e o Carlos aumentou o volume.
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