O borrão no céu nocturno desceu ao parque da estação de serviço e os dois polícias foram receber a Porcelana Branca.
Aproximaram-se com bastões luminosos para indicar o caminho à general que desceu com quatro Braços.
A estação de serviço não fechava, e àquelas horas só viam um ou dois clientes, grande parte camionistas, mas naquela noite estavam lá todos. A polícia, a ambulância e uma televisão.
A Taisa percorreu as filas de carros e parou quando um dos guias lhe apontou o dos suspeitos. Aproximou-se e espreitou pelo vidro.
Acordaram-me para isto... fazer de polícia...
“Levaram o carro da vítima, General” comentou um dos polícias.
"E onde está ela?” Ali. Na ambulância. Venha.
Estava fora da sua armadura, fora da fama, mas conseguia ser imponente e os homens ali respeitavam-na, temiam-na. Ou talvez aos Braços que a seguiam. Tinha o cabelo preso, de novo ao peito, mas vestia roupa de viagem, com uma espada curta à cintura. Um dos Braços carregava-lhe a lança e os três pareiam estar desarmados.
Seguiram para as traseiras da ambulância onde a equipa médica a esperava e ao sinal da autoridade, abriram a porta e puxaram da maca, com o corpo fechado no saco.
Quem fez isto, fez um lindo serviço. Que querem que diga agora?
Afastou-se para os seus Braços e distribuiu instruções. Dois ficaram com ele e os outros seguiram para a estrada. E caminharam para a noite.
Um dos polícias fechou o saco e ditou o historial da vítima de um bloquinho branco: o nome do rapaz, onde tinha nascido e acabado por servir etc. O básico, mas havia uma coisa que não entendia, disse ao coçar o queixo com a caneta.
“A companheira da nossa vítima disse que ele tinha morrido em combate.”
“Não faz sentido” complementou o colega. “Sabe de alguma coisa?”
Interessante. Alguns fugiram.
“Não” respondeu seca e firmemente. “Quero falar com a outra vítima.”
“Por aqui.”
Os dois polícias sacudiram os bastões para os dois outros colegas que barravam a entrada à jornalista que tentava espreitar ou sacar informações do caso.
“Que faz aqui um civil?” Questionou a Taisa quando se encontrou junto da mulher que arregalou os olhos ao ver a própria Porcelana Branca a presidir um homicídio.
“Que faz aqui a Porcelana Branca a presidir a um homicídio?” Devolveu no tom falso que todos já conheciam. Rita Esteves Cardoso, repórter cor de rosa, repórter da satisfação instantânea. Ninguém sabia como, mas a cabra chegava sempre primeiro, e todos no meio já lhe conheciam as manhas. Havia rumores de que pagava bonito a alguém para ter estas dicas ou fodia como ninguém - não obstante, ali estava ela de câmara na mão.
“Esperem! A menos que não seja um simples homicídio? Que outra razão haveria para chamarem uma Mão?”
Eu punha a minha mão na tua cara...
“Tirem-na aqui, por favor.”
“General, por favor. Uma palavra e juro, juro que saio!” Parecia desesperada, honesta como se a vida e a carreira dependessem daquela palavra.
A Taisa encarou-a com um sorriso neutro, dando-lhe uma falsa esperança de que ia cooperar.
“Proíbo qualquer declaração. Não a quero ver quando sair.” Sem exclamações ou levantar a voz. A guarda abriu caminho e deixou-a passar pela porta com a jornalista a esticar-se para espreitar. Berrou qualquer coisa, mas a porta fez o favor de a abafar.
O empregado estava atrás do balcão. Secava uma pilha de pratos brancos quando a Taisa entrou na sala e meteu-se em sentido quando a viu. Os guardas distraídos imitaram de seguida, mas só uma não reagiu com a presença da Mão.
A agente estava sentada numa cadeira junto à da Ana. Tinha-lhe oferecido uma manta e uma refeição da estação. E ela bebia uma caneca de café negro, sem porcarias a adoçar. Ela era durona, até na sua cafeína.
“General Taisa. Ana” apresentou as duas. Deixou a caneca em cima da mesa e inclinou-se para a vítima e falou como se a outra não estivesse perto. A General deveria sentir-se incomodada e insultada por estarem a bichanar na sua presença, mas havia uma missão no seu sistema:
Despachar esta merda e voltar para a cama.
“Disseram que tinham algo a reportar” comandou-as.
“Vá lá, querida. Não falaste comigo, mas tens de falar com ela.” A agente tinha a mão nas costas da Ana e esfregava-a calorosamente, com confiança e para a tranquilizar.
Por entre a manta, os olhos da Ana apontaram para cima e encontraram a mulher general, uma das Mãos. Descobriu os dos Braços atrás e decidiu que aquilo era mesmo a sério...
“Sei onde a Frederica Da Assunção está.”
“Sério?” E tudo começava a fazer sentido.
“Hum...” olhou para o chão. Hesitou. “Sei de quem sabe dela!”
“Onde é que ficamos?”
“Chama-se Bernardo. O amigo chama-se Joel e foi ele que matou o meu namorado. O Bernardo ficou comigo e contou-me que a viu em Salvador e escondeu-a numa porta.”
“E contou-te porque?”
“Contou-me enquanto o amiguinho matava o meu namorado!”
“Para onde foram eles?”
“Lisboa. Uma livraria qualquer.”
“Disse mais alguma coisa?”
Sacudiu a cabeça. A Porcelana Branca virou-se para sair quando foi chamada pela voz da Ana. Não tão frágil como há minutos, mas calma, monocórdica.
“Vou ser recompensada?”
“Sim.”
Prioridades...
E continuou para a porta. A agente aconchegou-a na manta; a jornalista estava no outro lado da estada de câmara na mão e a ambulância tinha voltado a Lisboa. Um carro acelerou pela estação e desapareceu para a madrugada.
A Taisa e os dois Braços regressaram ao dirigível que tomou as alturas e zarpou.
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