Estas histórias passam-se em Portugal, mas certos estabelecimentos, locais, pessoas, organizações e eventos são fictícios. Não fiquem engatilhados com quaisquer semelhanças!
A ansiedade é uma Caixa de Pandora. Abre-se e as vozinhas cheias de mimimis não se calam. Vai correr mal, não saias de casa, quem é que se importa que vás? Uma pessoa cede. Se bem que no meio daquele negativismo, há a tal voz da esperança que tenta contrariar as outras com razão. Não vai nada correr mal, vai ser divertido, vais ver! Estavas à espera disto há meses. Essa é a pior voz.
O Diogo transporta a caixa na mala. Mostrou-a à psicóloga e perguntou porque é que as vozes negativas são sempre as mais altas e não o contrário. Bem, respondeu-lhe, é uma questão de exercício mental. Vamos lá chegar. E ele tinha os seus rituais, o exercício físico e mental e uma dose de masturbação no duche para aguentar mais um dia. Funcionava q.b.
Hora e meia.
Saiu do banho, secou-se, e puxou o cabelo negro para o lado. Calças de ganga, camisa cinza enrolada nas mangas e dentes lavados. O Diogo tinha 30 anos que lhe fugiam. Cabelo negro, com pinceladas prateadas nos lados; nariz comprido e lábios finos sempre abertos a palrar. Enfiou-se nas botas sujas, atirou os lenços para a mala e a caixa da consola. Garrafa de água e tampa extra porque os seguranças temem atentados com água do Luso e bolachinhas salgadas. Ah, trocos para a cerveja – O kit de concertos do Diogo.
Vinte minutos para sair.
Tirou a consola da mala para matar tempo e para calar os sussurros.
Jogava bastante, adorava histórias e o seu género favorito eram os RPG japoneses com enredos demasiado dramáticos para o seu bem; personagens carismáticas e situações impossíveis, onde o fim do mundo era tão habitual como pedir um pastel de nata com o café. Era um vira o disco e toca o mesmo, mas quando se gosta de arroz não se come apenas uma vez na vida, mas as vezes que nos apetecer e com várias combinações. E aquilo era o sustento da alma.
Estava na hora.
Saiu de casa, apanhou o autocarro e depois o barco. Quando deu pela realidade, a outra margem estava a aproximar-se. Focou-se no vidro sujo e estudou, no reflexo, as pessoas naquele primeiro andar do barco. Depois, perdeu-se de novo. A rampa bateu no cais e despertou de outro sonho com laivos de heroísmo.
Até ao Campo Pequeno só mudou uma vez de linha e saiu na Azul. Fez o resto a pé para engonhar um bocado e quando lá chegou a fila ainda estava a crescer.
Estacionou atrás de uma moça com auscultadores maiores do que a sua cabeça e observou-a. Tinha um livro de capa negra na mão, um dedo enfiado nas páginas e o telemóvel na outra. Trazia um vestido verde simples e cabelo apanhado em dois rabos-de-cavalo. Reparar em mais era sinal de que estava muito perto.
Recuou e sentiu um choque na canela.
Virou como uma mola e viu a pedra no chão e a rapariga que a tinha disparado. Vinha a correr e parou mesmo atrás de si. A boca dela desenhou um desculpa silencioso, mas sem arrependimento e ele mostrou as palmas das mãos em paz. O tanas porque doía. Virou-se, julgou-a rápido e voltou-se. Girita, admitiu. Está é no concerto errado, também concluiu pela t-shirt dos Joy Division quando eram os The National naquela noite.
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