tag:blogger.com,1999:blog-15150549645553462212024-03-14T04:29:35.375+00:00Per NebulaeATPhttp://www.blogger.com/profile/11193227128276103330noreply@blogger.comBlogger356125tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-12254794098362130752019-11-06T12:52:00.000+00:002019-11-06T12:52:28.317+00:00WRITOBER | 2019 | Considerações<div style="text-align: justify;">
Queria fazer este texto há mais tempo, mas por razões, fui adiando até estar mais confortável.</div>
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<br /></div>
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Algumas considerações acerca deste Writober - embora tenha gostado do saldo e do feedback que fui tendo, não fiquei inteiramente satisfeito com o meu trabalho.</div>
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<br /></div>
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Primeiro, a sua gestão. Ao passo que nos anos anteriores tive mais tempo para escrever e conseguia-o de manhã, este ano não o consegui e só tinha o texto escrito à noite e a roçar a hora limite. O que fez com algumas entradas fossem escritas em cima do joelho e puxadas a ferro... Só conseguia fazer algo "mais melhor bom" aos fins de semana.</div>
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<br /></div>
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A ideia deste ano era uma que embalava há anos - ainda antes de começar a escrever "a sério". Era uma ideia que surgiu enquanto brincava com o RPG Maker e ainda consegui criar cinco minutos da introdução!, só demorei semanas a aprender a trabalhar com a coisa.</div>
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<br /></div>
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O género original era para ser só de Fantasia - <i>sword and sorcery</i> - porque estava encantado com Final Fantasy, Kingdom Hearts, Zelda etc. Aliás, até tenho uma má <i>fan fiction</i> por aí. Com os anos, o meu gosto amadureceu, mas nunca fugiu desses temas ou, neste caso, do tema de outros mundos ou mundos paralelos.</div>
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Conheci Murakami, Gaiman, li Dark Tower, His Dark Materials, joguei Chrono Trigger e muitas outras coisas e comecei a complementar esta ideia. Ah, li o The Hobbit que se tornou no MEU livro. Acontecimentos verídicos da vida real acabaram por condimentar a cabeça e a direccionar a coisa. Falo de morte, claro. Saudade, memórias, passado e o <i>letting go. </i></div>
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<i><br /></i></div>
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Esta história tinha o nome Times porque, olhem, razões. Hoje não faz muito sentido e ainda não me decidi por um melhor.</div>
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Traduzir estas ideias para o Writober foi engraçado porque finalmente as meti por escrito e obriguei-me a preencher o meio porque só tinha o início e o fim.</div>
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Também houve desvantagens: ter de resumir e/ou cortar detalhes para cumprir com a meta diária e mensal.</div>
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O que queria fazer e não fiz:</div>
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<br /></div>
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<ul>
<li>Dar ênfase à relação dos irmãos. Mais Antes, algum Durante e muito Depois.</li>
<li>Mais sobre a mãe e sobre o pai.</li>
<li>Reforçar a relação entre a personagem principal e o Joel. </li>
<li>Dar mais nuances à descida do Joel para o lado mau. </li>
<li>Ênfase na relação da Vera com o Fausto. </li>
</ul>
<div>
O que me arrependo de ter feito porque estava a improvisar diariamente:</div>
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<br /></div>
<div>
<ul>
<li>Ter criado o túnel entre portas. </li>
<li>Ter criado o túnel de cristal. Eu queria um cristal azul por causa de Final Fantasy, mas como não se adequava à história, fiz aquilo. </li>
<li>Ter criado o velho. </li>
<li>O cerco da aldeia que foi feito ao pontapé.</li>
<li>Ter criado dirigíveis - não sou nada fã de Steampunk, mas obrigado His Dark Materials? Queria uma aeronave tipo Final Fantasy.</li>
<li>A batalha final foi tosca. </li>
</ul>
<div>
No final, mesmo querendo fazer fantasia pura, até gostei do resultado deste estilo mais real só que não. Se alguma vez pegar no manuscrito, terá de ter uma mão pesada!</div>
</div>
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Ou talvez volte ao RPG Maker... </div>
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<br /></div>
<div>
Obrigado a quem leu. A quem deu feedback e ajudou a orientar a história durante os 31 dias.</div>
<div>
Para o ano, a ver se sigo a lista dos tópicos. </div>
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<br /></div>
<div>
Até lá :) </div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-29902074060824711262019-10-31T17:59:00.001+00:002019-10-31T18:00:02.657+00:00WRITOBER | 2019 | TRINTA E UM<div style="text-align: justify;">
Início</div>
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<br /></div>
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Quando voltou a si e abriu os olhos, reparou que a Porcelana Branca estava perto, à espera.</div>
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“Lamento” ofereceu a General solene, dando os primeiros passos na direcção do Bernardo e da São – e do corpo do Carlos.</div>
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<br /></div>
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<a name='more'></a><br />
<br />
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<a href="https://1.bp.blogspot.com/-IFRsCpnQPpo/Xbsg7Hz8mHI/AAAAAAAAUmY/ooyHGe2EA1kuKr5a0Z9JGzz4-L2a-pzjwCLcBGAsYHQ/s1600/31_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="473" data-original-width="564" height="167" src="https://1.bp.blogspot.com/-IFRsCpnQPpo/Xbsg7Hz8mHI/AAAAAAAAUmY/ooyHGe2EA1kuKr5a0Z9JGzz4-L2a-pzjwCLcBGAsYHQ/s200/31_10_2019.jpg" width="200" /></a>Visivelmente mais velha, mas não menos bela ao perto, na sua armadura pálida e lendária. Numa mão, empunhava agora a sua antiga lança, manchada de sangue, e que se erguia para o sol. Estendeu a outra mão ao rapaz deitado e revelou um anel azul.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os olhos do Bernardo escancararam de surpresa e de choque, e quando tentou roubar a joia de volta, a mão da General reagiu mais rápido e fechou-se como uma ostra, a guardar a sua pérola.</div>
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“Parece que o correio foi desviado” troçou.</div>
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“O que nos vai acontecer?”</div>
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“Agora? Nada. O Império está bastante agradecido a Salvador. Sabes o que é ter daqueles cães pequenos a ladrar-te e que não se calam? Era ele.”</div>
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Por todo o lado, os poucos sobreviventes de Salvador que tinham caminhado até fora faziam o seu luto ao ver o Carlos deitado no chão; o dono do café afastou a São do corpo e alguns homens preparam-no para o trazer de volta. O Bernardo assistiu à cena com uma impassividade tal, que a própria Taisa perguntou se queria acompanhar a viagem. De certa forma, e por mais cruel que soasse, era a segunda pessoa que perdia em meses. O seu coração e todas as reacções ainda não tinham despertado daquela dormência, mas receava o futuro quando tudo desabasse com uma onda.</div>
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Continuou focado na mulher à sua frente, a ser racional:</div>
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“Ele queria acabar com o Império” remordeu.</div>
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“Sim. Não é o único.”</div>
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“E a Frederica?”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Fica para a próxima, mas haveremos de lá chegar.” Voltou a abrir a mão, com o anel bem no meio da sua palma. “Vou ficar com isto. Não queremos que conspires com o inimigo.”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Ela não é o inimigo...” respondeu entredentes.</div>
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“Talvez. Talvez não.” Sorriu-lhe e arrumou o anel dentro da armadura e tirou outro objecto que ocultou da vista do rapaz. Os Braços na área retornavam para a General como se esperassem novas ordens, mais ao longe, um pequeno monte de corpos ia sendo empilhado.</div>
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“O Joel?” Perguntou quando não o viu nem à Vera.</div>
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“Preso. Sabes que aquela moça pediu-me uns minutos com ele? Estava tão perto de deixar, mas li-lhe nos olhos que não iam falar. Por mim, era para o lado que dormia melhor. Ela acabava com ele e eu não tinha este trabalho. Não, mas querem usá-lo como exemplo e já estão a preparar o palco para o executar.”</div>
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O Bernardo engoliu em seco.</div>
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“Ela voltou para Salvador com o pai. Devias voltar também.”</div>
<div style="text-align: justify;">
Para terminar, ela reparou no telemóvel nas mãos dele e mostrou-lhe o que tinha escondido: um telemóvel concha, daqueles antigos e sem toque.”</div>
<div style="text-align: justify;">
Ele não se mostrou impressionado.</div>
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“Afinal sempre existem aqui...”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Não. Este veio do nosso lado.”</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas a sua cara de surpresa traiu-o de novo.</div>
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“É verdade.” A Taisa voltou a sorrir, mas um sorriso pesado. “Faz… faz perto de trinta anos" hesitou.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um longo suspiro penoso moveu o rapaz ainda no chão.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Como o tens mantido carregado?”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Electricidade, como assim?” Soltou uma gargalhada. “Diz-me, como estão as coisas no outro lado?”</div>
<div style="text-align: justify;">
“General” começou.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Ana. Chama-me pelo meu nome verdadeiro.”</div>
<div style="text-align: justify;">
“General Ana.” Ela revirou os olhos. “Não sei se consigo explicar bem, mas… quando voltei ao nosso mundo, estive fora dez ou onze dias, mas quando voltei para Salvador, tinham passado onze anos. Se isto fizer sentido e está aqui há trinta e tal anos, só passou um mês. Ainda pode voltar.”</div>
<div style="text-align: justify;">
A Porcelana Branca recuou quase como embriagada pela revelação e as feições encheram-se de alegria, dor e de idade. Passou as mãos pelas faces e trancou os lábios. O reflexo e a ilusão sumiram dos olhos e voltou-se séria:</div>
<div style="text-align: justify;">
“Não.”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Porquê?!</div>
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“Ouve rapaz. E olha para mim. Vim para cá mais nova do que tu. E sabes como? Quando fugi da recruta. Quando achei que conseguia fazer tudo e depois… achei a porta. Voltei à caserna e decidi fugir nessa noite, fiz a mala e passei para cá. E a ironia das ironias, olha onde vim parar! Ao exército.” Estendeu os braços, para os seus Braços que aguardavam ordens; para o seu dirigível. “Aliás, as lendas só existem onde forem contadas. No outro lado só seria uma estatística no desemprego.”</div>
<div style="text-align: justify;">
Ela era igual ao seu irmão. Ambos com vidas e existências enraizadas naquele outro mundo – diz-se que uma casa é onde o coração está e aqueles dois tinham mudado o seu para cá. O Bernardo olhou-a e viu o Carlos sentado no café a dizer o mesmo. Talvez ele é que esteja errado…</div>
<div style="text-align: justify;">
“Vamos, homem. Está na hora de acompanharmos os mortos.” Estendeu-lhe a mão e o Bernardo lá a aceitou.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Ele caminhou sozinho até Salvador. </div>
<div style="text-align: justify;">
A General lá ordenou aos seus Braços para queimarem a pilha de mercenários e aguardarem fora da aldeia até regressar. Depois seguiu o Bernardo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Na zona central, nos degraus do Pelourinho, um grupo de crianças viu o par a chegar. Aquele cenário era-lhe estranhamente familiar; mudam-se os tempos, mudam-se as caras. Era possível que em onze anos, essas crianças tenham crescido para os jovens que protegeram Salvador e caído nessa noite. Também era possível que estas crianças não estejam cá amanhã.</div>
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O café estava aberto e os poucos que lá estavam bebiam em silêncio – era raríssimo não haver conversa, mas o ar daquela manhã pedia outra coisa e a tensão da chegada da Porcelana Branca não ajudou. Ela sentou-se ao balcão e pediu um jarro. O Bernardo foi à procura do irmão.</div>
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<br /></div>
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Nesse mesmo dia, os mortos foram enterrados e alguns cremados, como o irmão. E antes de fecharem as cinzas, roubou umas para si e misturou-as com as da mãe, para dentro da caixinha que o tinha acompanhado naquela aventura.</div>
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Passou algum tempo no silêncio da São e absorveu o espaço onde o irmão tinha vivido e envelhecido com esta mulher. Ela era bastante forte e não demorou até sorrir, começando a partilhar histórias. Saiu pouco depois, mas ia nas escadas quando escutou um soluçar de casa. Saiu para a rua e deixou aquela casa para trás.</div>
<div style="text-align: justify;">
Depois encontrou a Vera quando estava a regressar ao café e falaram brevemente até se darem conta de que nunca foram apresentados como deve ser. Mas tudo o que aconteceu para trás deixou-os tão unidos que já não precisavam de conversa de circunstância. Sozinhos na miséria, riu toscamente.</div>
<div style="text-align: justify;">
Deixou-a no café, onde estava o pai. E a General – a Ana, afinal. Era quase de noite, mas o tempo tinha voado como tanto para fazer ou beber. Ainda assim, ela recebeu-o com toda a seriedade, empurrando qualquer sinal de embriaguez para baixo.</div>
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“Venha comigo” pediu o Bernardo.</div>
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“Onde?”</div>
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“Vou-me embora, mas antes disso quero mostrar-lhe uma coisa.”</div>
<div style="text-align: justify;">
Ela não perguntou mais nada por hábito e seguiu o rapaz para fora do café e pela rua, para fora de Salvador. E em direcção à cerejeira que escondia a porta.</div>
<div style="text-align: justify;">
Agora ele sabia das chaves e do que fazer – e como fazer. Tirou das cinzas da mãe e do irmão e espalhou-as no ar, borrando a existência da porta. Sentiu-a até à maçaneta que virou sem resistência. Ali estava a escuridão do túnel e a outra porta para a sua São Salvador.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Ligue o telemóvel.”</div>
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“Vá lá, ligue. Vou deixar a porta aberta.”</div>
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E abriu a porta e deixou-a sozinha com o que tinha de fazer. Desceu o montinho e sentou-se de costas para a porta, dando-lhe privacidade.</div>
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A Taisa ligou o telemóvel que tinha pouca carga e assim que obteve sinal, foi entupida de mensagens: muitas a desejarem que voltasse a casa. Anos aqui, um mês ali e ainda assim, imensas pessoas à espera dela. Ligou para o número que se repetia mais pelas mensagens e assim que ouviu o toque de chamada, deixou-se cair no chão – de gatas, depois de costas contra a cerejeira. Atendeu-lhe uma voz aflita, uma voz de mulher gasta que agradeceu aos céus e a todos os santos e a bombardeou de perguntas. Se o tempo fluísse normalmente, a sua mãe não estaria viva, mas ali estava ela apenas com dias em cima até entender que a sua ausência tirara-lhe meses… anos de espírito. Conseguiu tranquilizar a mãe, mas mentiu, mentiu ao contar-lhe que estava numa missão secreta do exército e não podia falar muito. Mentiu. A mãe acreditou. Ou mentiu também. Iria ligar em breve, prometeu. E desligou entre lágrimas que não se decidiam pela tristeza ou pela felicidade. Desta vez, quando olhou para cima, foi ela a reparar no Bernardo que lhe sorria. Ele estendeu-lhe a mão e ela sacudiu-a grata. O rapaz entrou pela porta e desapareceu.</div>
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<br /></div>
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*</div>
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<br /></div>
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A casa de São Salvador estava praticamente na mesma, mas com mais pó e cheiro a mofo. O retornado abriu as janelas e sentou-se à mesa, a olhar para o portátil do irmão, suspenso há quase um mês. Puxou-o para si e acordou-o para ver o ecrã de entrada a pedir a palavra-passe. Não a sabia. Fechou o portátil, arrumou-o na mala e guardou o resto das roupas do irmão. Fez-lhe a cama e voltou para a mesa da sala. Não havia nada para comer; nada para fazer.</div>
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Foi ao café comer uma bifana e empurrou-a com uma imperial. Passou pelo mercado e trouxe o essencial para casa. E repetiu esta rotina por um mês. Faltou ao trabalho, a compromissos e quando lhe perguntavam pelo Carlos, dizia que estava bem, estavam os dois em São Salvador. <i>Morreu noutro mundo e não tenho lata para voltar a Lisboa</i>. Tomou uma decisão. A decisão.</div>
<div style="text-align: justify;">
Arrumou a casa toda, as roupas, o portátil do Carlos, os seus livros, tudo. Cobriu o carro e trouxe-o a custo para um sítio que não estorvasse. Pegou nas malas e arrastou-se até ao terreno dos avós.</div>
<div style="text-align: justify;">
O silêncio era absoluto. Não havia ninguém ao frio e as piscinas estavam cobertas até à próxima estação quente, inspirou aquele ar frio da Beira e começou a mandar terra pelo ar, até vislumbrar partes da porta.</div>
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Usou a sua última chave e deixou para trás a sua vida e tudo o que o prendia ali. A porta abriu-se e passou para a outra Salvador anos mais velha.</div>
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<br /></div>
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*</div>
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<br /></div>
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Encontrou-se com uma Vera velha, feliz e com filhos e netos, que lhe deu guarida até ter a sua casa. Soube que muito tinha mudado por ali e, ao mesmo tempo, nada. A São era a nova dona do café e não voltou a casar por opção; o Joel fora executado na televisão, mas a sua morte só incendiou mais a revolta. Com isso, a Voz ganhou mais força e empurrou o Império do Norte. De momento, o país ainda estava dividido, com uma Frederica viva a atrair mais apoiantes… e mais inimigos.</div>
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A Porcelana Branca caiu num dos combates do Norte e gravou o seu nome na História do Império. A sua armadura encontra-se exposta no Coração do Império, assim como as memórias das outras Mãos que viveram e morreram nos anos.</div>
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E quando o Bernardo percorreu o resto do seu caminho até ao limite das forças da velhice, achou que estava na hora de cumprir a sua promessa ao Porteiro. Voltou a fazer a mala, agora mais leve e com o mais importante e regressou ao monte da cerejeira que ainda vivia, a maldita.</div>
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E porque vinha saldar a dívida, a porta abriu-se-lhe sem chave e entrou para o túnel azul, onde encontrou o velho que ainda era velho, mas não tão velho como ele.</div>
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<br /></div>
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E a partir desse dia, o Bernardo passou a ser o novo porteiro entre mundos. De tempos a tempos, abria a mala que trouxe e passava os olhos pelas fotos que tinha vindo a guardar. Havia da sua família, com a mãe e o Carlos; havia algumas da Vera e do seu rebanho de pessoas; da São no café e até da nova família do Bernardo. Também ele enraizou em Salvador, arranjou companhia e trabalho e fez-se feliz até onde deu.</div>
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E quando não olhava para as fotos, guardava todos os mundos ao seu alcance e todas as vidas daquelas pessoas. E esperava…</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Até à chegada do próximo...</div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-83144843655282129332019-10-30T18:56:00.000+00:002019-10-30T19:17:04.091+00:00WRITOBER | 2019 | TRINTA<div style="text-align: justify;">
Memórias Digitais<br />
<br />
Quando a São lhe disse que o irmão tinha ido ter com o Joel, aquela serpente que andou a carregar, finalmente mordeu e não largou.</div>
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<br /></div>
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</div>
<a name='more'></a><br />
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<div style="text-align: justify;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-X0K3TBuuBGw/XbncyaXp0jI/AAAAAAAAUlI/kLPZGHlJd_46cqkQ88wGn9fGdIXuj6IxgCLcBGAsYHQ/s1600/30_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="570" data-original-width="563" height="200" src="https://1.bp.blogspot.com/-X0K3TBuuBGw/XbncyaXp0jI/AAAAAAAAUlI/kLPZGHlJd_46cqkQ88wGn9fGdIXuj6IxgCLcBGAsYHQ/s200/30_10_2019.jpg" width="197" /></a>Agarrou na lança e correu para o portão escancarado, onde dois corpos jaziam encostados à parede improvisada, sentados como se tivessem apenas a dormir. Arrepiou caminho para o café e encontrou-o deserto e trancado. A casa do Joel!</div>
<div style="text-align: justify;">
Com mais urgência nas pernas, procurou orientar-se pela memórias de terem feito aquele caminho há anos. Chegou a uma porta aberta e ouviu o ruído da confusão, mais os gemidos abafados de alguém a apanhar. Galgou o passeio e deparou-se com o Joel sentado no chão e três filhos da puta a pontapear um Carlos ensanguentado, mas que ainda o viu a chegar. Os outros estavam todos contra a porta.</div>
<div style="text-align: justify;">
Sem se denunciar, o Bernardo ergueu a lança à cintura e forçou-o nas costas de um dos agressores que guinchou como um animal feriado. Curvou-se para trás para puxar a ponta, mas o Bernardo apressou-se e retirou-a com a mesma velocidade. O corpo do homem tombou para cima do irmão. Já sem o efeito de surpresa, Os outros dois encararam o chegado, mas o Bernardo já tinha estoqueado o ar em frente e o da frente não se conseguiu desviar totalmente. A ponta da lança entrou pelo estômago e o movimento lateral do homem fê-la rasgar a pele, saindo do corpo com partes das tripas. Este ainda as tentou empurrar para dentro, mas caiu de fronha no chão a chorar de agonia.</div>
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O terceiro homem e o Joel já estavam em cima do Bernardo que apenas varria o ar para os manter distantes.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda com forças nos braços, o Carlos empurrou-se do chão e debaixo do corpo. O terceiro mercenário percebeu o movimento atrás, mas quando voltou a cabeça, a mão gigante do Carlos já a estava a empurrar contra a janela. Quebraram o vidro para a rua, arrancando estilhaços e rasgando a cara e os olhos. Sem equilibro, o mercenário afundou-se nas pernas e o Carlos aproveitou para forçar a cabeça do outro contra os gumes fixos. Serrou a carótida do mercenário que derramou para cima do vidro, do parapeito e da parede para o chão. Ficou pendurado à janela a dar à boca como um peixe tosco. O Joel nem tentou e contra dois, fugiu.</div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo correu para amparar o irmão com os ombros. Sentou-o no chão e viu-lhe a cara borrada de sangue e inchada. A respiração custava-lhe e saía-lhe entupida.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Apanha-o” pediu o irmão mais novo e afastou-o. Não sem antes de hesitar, o Bernardo obedeceu e correu atrás do Joel. Mas ele não conhecia as ruas de Salvador…</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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No porta principal, a São obrigava um grupo a barricar a porta. </div>
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Os dois corpos já tinham sido afastados e cobertos, e a voz da mulher carregava aflição ao ver as luzes na estrada a aproximarem-se.</div>
<div style="text-align: justify;">
Havia três entradas para Salvador e um muro que não era alto o suficiente para impedir um adulto de o trepar, mas era para ali que as luzes caminhavam. E a São desconhecia que alguns já lá estavam dentro.</div>
<div style="text-align: justify;">
Reparou no Bernardo a correr e parou-o com um berro que distraiu os trabalhos na porta. Perguntou-lhe pelo Carlos e apertou-se ao peito quando soube o que tinha acontecido. E a voz de comando da mulher saiu disparada para ir ter com os seus. O Bernardo viu as pessoas contra a porta e a cara de confusão e de medo. A balança a pender para um lado e para o outro: ajudar ou procurar o outro e perder-se em Salvador. Deixou umas desculpas rápidas e decidiu-se pela última, a rosnar mais para se motivar do que para aterrorizar alguém.</div>
<div style="text-align: justify;">
Então, as pessoas ficaram sozinhas na porta. Alguns velhos, mulheres e o rapaz que estava com o pai da Vera a vigiar. Foi o dono do café que continuou os trabalhos, também ele avançado na idade e farto de merdas. Armado com um cabo de vassoura afiado, ladrou para o outro lado da barricada, mas foi recebido por gargalhadas.</div>
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Há meses que o Joel os chateava para entrar e viverem ali; há meses que os seus mercenários eram vistos como ratos, pragas para correr aquela gente das suas casas. Sim, as suas histórias tocavam nos cordelinhos da miséria: abandonados pelo Império depois de servirem em guerras inúteis. Dados como mortos quando quiseram retomar as suas vidas. Queriam respostas, queriam morder a mão que os alimentou e lhes bateu. Noutras páginas da história seriam vistos como heróis por fazerem frente ao Império, mas a diferença entre um herói e um vilão é a decisão tomada num segundo. E a decisão do líder dos mercenários atirou-o para a prisão há onze anos; e encheu a cabeça daquela gente com mentiras e fantasias.</div>
<div style="text-align: justify;">
Quando as luzes chegaram todas à porta, puseram-se a percorrer o muro nas duas direções. Caminhavam em silêncio, o que enervava mais as pessoas que as acompanhavam no outro lado. Poucos tinham armas em Salvador. A maioria tinha paus, facas e algumas armas que apanharam dos guardas mortos no caminho, mas quase ninguém tinha experiência de combate. O dono do café tinha visto combate há muitos anos, e era só. Ninguém foi à porta, o plano nunca seria esse, mas diluir a resistência e quebrá-la assim que possível. Dito isto, um dos mercenários foi ajudado pelos companheiros e saltou o muro, aterrando mesmo em frente a um ancião que berrou quando viu a avantesma. Tentou defender-se com uma faca, mas a paulada do outro foi mais rápida a deixá-lo no chão, com o pescoço numa posição que não era natural. Os outros lançaram-se ao inimigo, mas por todo o muro choviam mais e rapidamente foram cobertos por uma onda de violência.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo corria e repetia ruas, casas e buracos, mas o Joel não dava ares de sua graça. O rapaz roçava o desespero e a adrenalina escoava pernas abaixo, deixando apenas aquela sensação de calor e humidade. Não tinha reparado antes, mas agora era evidente e bastante secundário. Arfava como se lhe tivessem roubado o direito de respirar, mas nem isso o demoveu de procurar pelo Joel e fazê-lo responder pelo Carlos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Às tantas, esbarrou com duas sombras que gemeram e se prepararam para o atacar. Foi quando o pai da Vera reparou no Bernardo e prendeu a filha.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Pensava que eras o Joel!” arfou a rapariga.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Não… também ando à procura.”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Ele fugiu para baixo.” A Vera apontou para o fim da rua, na direcção de uma das portas da aldeia. Os três não perderam mais tempo e correram para a porta que já estava aberta. O peso usado para a barricar estava espalhado pelo chão e os dois corpos continuavam no mesmo sítio. Para os dois lados da porta, não muito longe, vários grupos lutavam e berravam e tombavam, mas era claro quem estava em vantagem. É possível que tenham reparado no Bernardo, na Vera e no seu pai, mas quem podia ajudar estava mais preocupado em manter o corpo inteiro e a arrastar o amigo; e quem podia fazer pior sabia que para fora de Salvador se iam lixar. Mesmo assim, houve quem arriscasse na direcção da Vera com toda a confiança, mas a moça que passou tempo na estrada sabia se orientar com uma lâmina. Não deixou que o Bernardo a ajudasse e mandou-o atrás do Joel que já tinha passado da porta para se reunir com uma nova vaga de mercenários.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ela e o pai ficaram para trás, e este bem tentou protegê-la, mas uma lambada do outro homem mandou o idoso ao chão e foi nesse instante que cravou a faca no braço dele. Puxou-a tão rápido como a voltou a espetar na bochecha. Cuspiu sangue quando tentou praguejar a Vera, mas só lhe saíram sons gagos e ensopados. Ainda tentou mais um ataque, mas o pai dela acertou-lhe com um barrote na nuca, atirando-o ao chão. Apanhou a arma dele e cambaleou para a porta, com a filha no seu encalce.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Joel corria como uma besta de volta para a manada. </div>
<div style="text-align: justify;">
Parece que naquela noite, todos tinham um plano. E o deles era de o matar; apagá-lo de Salvador como se nunca tivesse nascido e vivido ali, com medinho do Império. Vendidos! Como se atrevem a trai-lo?! <i>Só queria ajudar. Só queria ajudar!</i> E fugiu da sua própria casa, rua fora, directo à saída da aldeia. Parou quando ouviu a Vera a falar com o pai e aguardou na sombra por ela, se passasse por ali. Talvez tudo parasse se pudessem falar. O que ele daria por um segundo dela.</div>
<div style="text-align: justify;">
Deu um passo para fora da sombra e encarou a memória da que foi a sua noiva. Chamou-a:</div>
<div style="text-align: justify;">
“Vera?”</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas a expressão da Vera quando reconheceu a voz era de um nada absoluto. Olharam-se e ele ainda arriscou um passo, mas travou congelado. Esperava todas as emoções, raiva principalmente, mas a Vera era toda ela indiferença. Tinha a faca na mão e agora foi ela a avançar.</div>
<div style="text-align: justify;">
O outro não conseguiu regurgitar mais nenhuma palavra, meteu a cauda entre as pernas e fugiu.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo, a Vera e o pai sabiam que não o iam apanhar antes de se reunir com os outros mercenários. O velho desistiu quando o fôlego lhe morreu nos beiços, mas a Vera aguentou e ultrapassou até o Bernardo. Os dois gritavam pelo seu nome – até que o Joel parou. Virou-se para os dois fantasmas do seu passado de braços abertos para o receber. Atrás dele, as luzes aproximavam-se com o dia que estava a rebentar. Aquela manhã ia chegar a Salvador e descobrir a tragédia e mortes desnecessárias. Ia ser uma manhã fria, triste e o café não ia abrir para consolar as amarguras da noite.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Parem!” Berrou na distância. “Não façam isto, por favor!”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Depois do que fizeste ao meu irmão,” começou o Bernardo, com a lança apontada ao Joel. “só paro quando te rebentar todo.”</div>
<div style="text-align: justify;">
“O quê? Aquele tipo é o teu irmão?” Agarrou a cabeça pelos cabelos. “Oh que merda. Eu não fazia ideia! Se soubesse tinha acabado logo com ele ali.” Sorriu ao Bernardo.</div>
<div style="text-align: justify;">
O rapaz era fácil e caiu onde o Joel queria. Assim que começou a correr de lança em riste, sabia como o haveria de travar, desarmar e cravar-lhe a ponta na cabeça. A Vera deu por ele tarde, mas não o agarrou. E aconteceu tudo como o Joel previu.</div>
<div style="text-align: justify;">
A imprudência e a inexperiência do Bernardo fizeram dele um alvo tão fácil e em poucos segundos, a lança estava fora das suas mãos e ele estendido no chão, com um Joel mais velho e mais alucinado em cima dele, sentado no peito. Tinha a lança na horizontal e forçou-a para o pescoço do rapaz que ia perdendo forças e o ar. A Vera cravou a faca na omoplata do Joel que urrou de dor e raiva.</div>
<div style="text-align: justify;">
Com um braço livre, arrancou a faca de si e rasgou o ar, cortando a Vera que tropeçou.</div>
<div style="text-align: justify;">
Reparou que os mercenários ainda estavam longe, mas quando chegassem, os dois estariam perdidos. Tinham de acabar agora! Saiu do chão e preparou-se para saltar quando uma montanha desabou no Joel e esmagou-o no chão.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Graças ao pai da Vera que tinha ficado para trás, a São amparou o Carlos até ao irmão. E quando o mercenário louco estava por cima do irmão, conseguiu aproximar-se sem ser visto, mesmo quando este desferiu o golpe na Vera. Talvez o tivesse visto, mas a adrenalina ou uma bênção qualquer escondeu-o num canto cego e atirou-se para cima do Joel, caindo os dois no chão. Agarrou na sua cabeça e forçou-a contra a terra tanta vez que o homem já tinha cabelos soltos na mão. Só o soltou quando sentiu a pontada metálica no estômago. Rebolou de cima do Joel para reparar na faca cravada. E ficou ali a olhar para o cinzento a tornar-se num azul matinal.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não imediatamente acima da sua cabeça, mas para quem vem do norte, reparou num dirigível a furar uma enorme nuvem que fugia do dia.</div>
<div style="text-align: justify;">
Fechou os olhos e quando os abria, o dirigível branco estava mais próximo. E assim sucessivamente até a enorme sombra ter devorado o chão à sua volta. </div>
<div style="text-align: justify;">
A barriga daquela baleia abriu-se e várias figuras desceram sobre ele, sobre o irmão no chão e sobre a Vera que mantinha o Joel no chão com a lança.</div>
<div style="text-align: justify;">
Assim que os Braços aterraram lançaram-se a perseguir as luzes dos restantes mercenários que já dispersavam ao avistarem o dirigível da Porcelana Branca. Quando a Taisa tocou terra, ordenou a outros na direcção da aldeia e caminhou para a rapariga que tinha algo seu.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando tomou noção da chegada do Império, o Bernardo rastejou para o irmão e cobriu-o para o proteger, mas nenhum Braço ou Mão foram ter com eles.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ali, naquele bocado de chão, apenas a São e o Bernardo ouviram a voz do Carlos e estas foram as suas palavras:</div>
<div style="text-align: justify;">
“Seu totó, que ias fazer com aquela coisa nas mãos?”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Não te esforces, Carlos” pediu a São.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ele riu-se e apertou a mão à volta da da mulher.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Bernardo, tens o telemóvel?”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim” respondeu. “Mas para quê agora?” Havia lágrimas a cobrir o seu rosto quando reparou na ferida do seu irmão mais novo. Ele era o mais velho, ele devia protegê-lo!</div>
<div style="text-align: justify;">
“Tens fotos de casa?” Inspirou. “E dela?” Expirou. Cada vez mais devagar, em câmara lenta, elevando o suspense se iria ser a última repetição.</div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo enfiou a mão no bolso e sentiu-o vazio sem o anel, mas estava lá o telemóvel. Tirou-o com toda a urgência dos dois mundos e abriu as fotos. Mostrou-lhe a casa onde viveram com os pais, a mãe, todos – uma família perfeitamente normal e aborrecida. E todos sorriam para a foto. Sorriam por estarem vivos e não o perceberem. Os irmãos foram avançado pelas imagens e pelo tempo, até que o Carlos deixou de apontar e quedou-se a sorrir para cima, para o dia que tinha começado sem ele.</div>
<div style="text-align: justify;">
A São abraçou-o em silêncio. O Bernardo puxou o telemóvel para si para absorver todas aquelas imagens e emoções.</div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-40016213310938502542019-10-29T21:28:00.001+00:002019-10-29T21:28:13.488+00:00WRITOBER | 2019 | VINTE E NOVE<div style="text-align: justify;">
Foge, Idiota</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Algumas horas mais tarde, O Joel estava de volta. A madrugada espreitava, mas ainda faltava para serem horas decentes. Se bem que para ele, nunca seriam. </div>
<div style="text-align: justify;">
Desta vez veio sozinho e de braços abertos. Em paz. Queria ir a casa da mãe que era sua por direito. Dela, já ninguém sabia e poucos diziam que tinha ido viver com outra família. A casa continuava no mesmo sítio, vazia e à espera que alguém acendesse a luz e cortasse pão na mesa. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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</div>
<a name='more'></a><br /><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-F6P0i2fg4m8/Xbiu3SWctBI/AAAAAAAAUkE/TxAhtgjcMNAo0m68LMxblWEIAYng06KvQCLcBGAsYHQ/s1600/29_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="809" data-original-width="564" height="200" src="https://1.bp.blogspot.com/-F6P0i2fg4m8/Xbiu3SWctBI/AAAAAAAAUkE/TxAhtgjcMNAo0m68LMxblWEIAYng06KvQCLcBGAsYHQ/s200/29_10_2019.jpg" width="139" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
O Carlos espreitou pela porta e quis saber do resto do bando. O Joel tranquilizou-o, apontando para as árvores afastadas de Salvador. Estavam a vigiar as estradas por sinais do Império. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas o Carlos não gostou da resposta. Ninguém ali era burro e sabiam que o Joel e os seus mercenários estavam a isolar Salvador e a picar o Império. Quando decidirem olhar com atenção para a aldeia e investigar as mortes, as coisas não lhes iriam correr bem. E isto era um eufemismo. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Carlos afastou o grupo para conferenciar e a decisão de o escoltar até casa foi unânime. Se isolassem a cabeça, o resto viria por arrasto. Até mesmo as políticas de alto nível se aplicavam à ralé. </div>
<div style="text-align: justify;">
E foi assim que a porta se abriu e deixou o antigo filho de Salvador passar. A aldeia trazia-lhe das melhores – piores recordações, desde os seus tempos de moço, passando pela doce Vera até ao seu regresso como morto em combate. Os caminhos ainda eram os mesmos, o café continuava no mesmo sítio, assim como o pelourinho, e as pessoas só estavam mais velhas. Havia nojo e confusão nos olhos das pessoas quando o viam a passar, mas o Carlos e os amigos atrás davam-lhes coragem para cuspirem bocas. Ele ignorava tudo. </div>
<div style="text-align: justify;">
E a sua casa lá estava, com a chave escondida no mesmo sítio. O Carlos pediu aos companheiros para ficarem para trás e entrou para a escuridão poeirenta com o Joel. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Joel sentou-se na sua mesa e afagou a superfície gasta do tempo e do uso. Inspirou fundo, memórias, pó, e expirou ruidosamente ao ponto de incomodar o Carlos. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não é preciso estares a guardar. Não vou fazer nada.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Demoras?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não. Vim só buscar umas coisas que me esqueci da outra vez.” </div>
<div style="text-align: justify;">
O Carlos não se sentou, ficou junto à janela, a observá-lo no feixe de luz que chegava pela rua. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Aquele rapaz, o Bernardo. Está por aí?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Porquê?” Questiono. Os braços cruzados a ficarem tensos. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Queria falar.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Posso passar o recado. Deve estar a dormir.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Certo” dispensou-o enquanto vasculhava uma arca. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Eu e ele falámos. Ele contou-me o que fizeste há anos.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Foi?” Parou por instantes. “E mais?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Ele pensou mesmo em levar-te para casa. És um merdas.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Para a casa no outro mundo?” Continuou a puxar de coisas para fora, mas parou e avançou para uma cómoda. Virou-se para o Carlos: “E acreditas nessa patranha?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Quê?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“De ele ter vindo de outro mundo, homem.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“E se te disser que também vim de lá?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Então és tão louco como ele!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“E tu cego. E velho.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim, e aqueles dois bem novos!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Já acabaste?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não acho aquela merda. Ajuda-me.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Deves estar a brincar.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Queres que me despache ou não?” </div>
<div style="text-align: justify;">
O Carlos bufou ainda de braços cruzados, sempre fixo no homem e atento a qualquer movimento. Ele não estava armado e o outro também não, mas ali naquela cozinha valia qualquer coisa. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nisto, sentiu movimento na rua. Passos apressados na direcção do café e bastou um segundo para desviar os olhos para a janela. O Joel empurrou a mesa contra o Carlos e prendeu-o contra a parede. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Carlos que quase fazia dois do Joel tentava empurrar e desviar a mesa, mas o atacante forçava-a contra a cintura para o incapacitar. Uma e duas e outra vez, até que a raiva do Carlos lhe deu a adrenalina necessária para a puxar das mãos. Quis fazer o mesmo, mas o Joel desviou-se para a arca aberta. </div>
<div style="text-align: justify;">
Agachado numa posição quase felina, o mercenário preparou-se para receber o Carlos que o esbofeteou pela direita. O Joel cambaleou e amparou-se com os braços no chão, saltou para o adversário e abraçou-o, fazendo-o recuar. O Carlos desceu os punhos nas costas dele, mas não foi o suficiente para o largar. O Joel fechou uma mão em punho e começou-o a esmurrar nas costelas sem parar. E quando o Carlos o tentava arrancar com uma carraça, ele desviava-se para o outro lado ou para trás para retomar os golpes rápidos. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Carlos tinha a força, mas o ex-soldado tinha a experiência e agilidade. Quando roubou o fôlego ao gigante, pontapeou-o nos joelhos até o mandar ao chão como um tronco velho. </div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda esbracejou para lhe prender as pernas, mas quando o desequilibrou, o outro puxou-lhe pelos cabelos e desferiu-lhe socos na cabeça. </div>
<div style="text-align: justify;">
A sangrar do nariz e de golpes na testa, o Carlos ainda se esforçou para o repelir ou chamar ajuda, mas ninguém aparecia. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mais correria na rua e uivos alucinados vindos da rua. A porta foi disparada da ombreira contra a parede e três figuras negras desabaram na cozinha. Começaram a rir quando viram o Joel de pé sobre o matulão. O mercenário parecia estafado, e longe de terminar ao que veio. </div>
<div style="text-align: justify;">
Deu umas palmadas nas costas do primeiro que entrou e foi-se sentar no chão. Os outros homens cercaram o Carlos e fizeram chover uma carga de porrada. </div>
<div style="text-align: justify;">
A última coisa que viu... ou julgou ver... foi o Bernardo aparecer à porta com um pau. Uma lança? <i>Foge, idiota. </i></div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-16398097635487891982019-10-28T21:25:00.001+00:002019-10-28T21:50:34.090+00:00WRITOBER | 2019 | VINTE E OITO<div style="text-align: justify;">
Anel Azul</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo encontrava-se no café a brincar com o anel azul da Frederica. E milhentas coisas corriam loucas pela cabeça. </div>
<div style="text-align: justify;">
Outros homens e mulheres ocupavam as mesas do café; bebiam, comiam e ocupavam os minutos com conversas tensas. </div>
<div style="text-align: justify;">
O irmão tinha ido a casa, mas já voltava para conversarem. Teriam muito que falar depois de hoje; a Vera tinha ido para a casa do pai. De novo sozinho num mundo que não era o dele. Nem do irmão. Mentia, o Carlos pertencia mais a este mundo do que ao outro. Mesmo que ninguém soubesse que ele não era da zona. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<a name='more'></a><br />
<div style="text-align: justify;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-f-sH4m2gTTE/XbdcfG9ZRKI/AAAAAAAAUjw/SsCYzFIfCZ8uIWf78vjlfhttZQBRh6fvQCLcBGAsYHQ/s1600/28_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="655" data-original-width="564" height="200" src="https://1.bp.blogspot.com/-f-sH4m2gTTE/XbdcfG9ZRKI/AAAAAAAAUjw/SsCYzFIfCZ8uIWf78vjlfhttZQBRh6fvQCLcBGAsYHQ/s200/28_10_2019.jpg" width="171" /></a> </div>
<div style="text-align: justify;">
As conversas no café eram quase todas sobre o Joel e os seus mercenários; e tinha calafrios cada vez que repetiam o nome dele. Não se dizia covarde: no outro mundo, se visse uma aranha conseguia matá-la sem problemas, mas encarar um grupo de pessoas armadas e lideradas por alguém que costumava estimar? Pois. </div>
<div style="text-align: justify;">
Quis recuar para trás do irmão Carlos quando a Vera disparou para a porta. O grupo rompeu-se em dois, com o pai aflito, mas ninguém a travou. Nem o grande Carlos. </div>
<div style="text-align: justify;">
Lá fora, a voz do Joel bradava disparates para abrirem as portas e não era a primeira vez que aparecia em Salvador para os picar. Ele e o seu bando de tolos.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Então, a Vera saiu pela porta em direcção do dono da voz. Se ela estava tão confusa como o Bernardo, não o mostrou ali: passaram onze anos para eles, mas para ela nem fez duas semanas desde que o estupor matou o seu Fausto por trás. </div>
<div style="text-align: justify;">
Reconheceu-o logo. Ainda careca e desprovido de qualquer barba; nariz torto e olhos pesados do tempo; boca gozona que congelou quando viu um fantasma a sair de Salvador. Tal como ele naquela noite, ela galgou a distância e encaixou-lhe um soco no estômago. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Joel curvou-se para o chão e recebeu um pontapé na têmpora que o virou para cima. Os capangas reagiram à Vera, mas o líder no chão berrou-lhes ordens. </div>
<div style="text-align: justify;">
Permaneceu deitado a olhar para o céu e havia lágrimas nos seus olhos. Naquela altura, tanto podiam ser de dor como das memórias. E riu-se. </div>
<div style="text-align: justify;">
O grupo dele entreolhou-se confuso e um deles lá puxou o Joel. Olhou de relance para a Vera que o olhava de volta com lâminas nos olhos. E uma que tinha escondida. Desta vez, o Joel antecipou o golpe e agarrou-lhe pelo pulso que largou a faca. Puxou-a para si para se certificar de que não estava a imaginá-la. Ei-la tal como na última noite em que se viram, como na noite em que o outro a possuía. Depois deste tempo todo, a raiva vinha-lhe facilmente. Ela bufava, ele afastou-a. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Monte de merda!” atirou-lhe. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim, sim! Onde está o outro?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“E ainda gozas?” gritou. “Mataste-o!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Oh, não. Não falo desse. O meu amigo Bernardo!” </div>
<div style="text-align: justify;">
O Carlos começou a avançar, mas o irmão ultrapassou-o. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Oi” saudou. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Como se estivesse a ver a puta de um fantasma!” Noutra altura, aquelas gargalhadas seriam prazenteiras, mas ali eram cutiladas. “Então é verdade! Outro mundo. Foste e vieste e eu que me foda.” Ninguém ria agora. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Estou velho, Bernardo. Olha para mim. Aquela cabra da Mão pôs-me dentro, paguei a minha dívida e saí. Esperei que voltasses e nada!” </div>
<div style="text-align: justify;">
As palavras do Joel trovejavam. Os poucos de Salvador recuaram, menos o Carlos e a Vera que recuperou a faca. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Mas não podia esperar para sempre, pois não? Não. Aconteceu algo engraçado, amigo. Quando estive preso e quando saí fiz outros amigos.”<br />
E virou-se para trás, para os outros, e continuou: “amigos que o Império traiu, amigos que também morreram e perderam tudo, amigos com causa. Decidi que não ia voltar contigo enquanto não cumprisse a minha missão: acabar com o Império.” </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Este gajo é louco!</i> </div>
<div style="text-align: justify;">
O Carlos sentou-se na sua mesa com duas imperiais tiradas. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Ei.” Acordou-o do transe. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Ei...” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Conta coisas, mano.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Nem sei por onde começar.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Já sei o início. Começa pelo meio” gracejou para o animar. “Então tu conheces aquele Joel.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Aham.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Aquela besta já anda a cheirar Salvador há tempos!” Comentou entre goles de cerveja.<br />
"Não chamaram ninguém?" perguntou a medo.<br />
“Oh, claro. Passaste por eles se vieste da porta...” Bebeu o fundo do copo de olhos encerrados como se estivesse a viver os últimos momentos daquela gente acabada às mãos do Joel e dos seus mercenários. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Tens ido à porta?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Yeap. Fechada!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Precisas de uma chave.” E agora bebeu ele cúmplice. </div>
<div style="text-align: justify;">
“E tu tens uma?” </div>
<div style="text-align: justify;">
O irmão acenou que sim e deu outro gole. As conversas paralelas davam um ambiente de estabilidade momentânea e tudo estava bem enquanto estava bem. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Quando quiseres, vamos.” </div>
<div style="text-align: justify;">
O Carlos bateu com o copo na madeira lascada e riu a bandeiras despregadas para a confusão do irmão. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Bernardo, mas voltar para onde? A minha vida está aqui, pá. Tenho trabalho, casa e mulher. O que tinha no outro lado? Um peido. Voltas tu se quiseres ou ficas por aqui que há muito para fazer.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Carlos, não estás a entender. Voltei de propósito para te vir buscar!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“E o que queres que faça? Que pegue na trouxa e deixe tudo? Ou que pegue na São para voltarmos para casa da mãe?! Tenho 38 anos! Tu és maluco! Que ia fazer lá?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Podes fazer o que quiseres!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Pensa, foda-se. Se o que dizes é verdade e só passaram duas semanas lá... Então o Carlos que conheceste morreu. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Carlos...” </div>
<div style="text-align: justify;">
Eventualmente deram-se conta do silêncio no café e dos olhos postos nos rapazes. Àquela hora já deviam saber que eram irmãos, mas que o Carlos seria o mais velho...</div>
<div style="text-align: justify;">
“Carlos...” repetiu mais baixo, ignorando a atenção. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Carlos subiu da cadeira e levou os copos para o empregado. Pagou do bolso e não saiu sem a última palavra. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Bernardo, desculpa. Vai tu. Hoje veio o Joel. Amanhã pode voltar o Império. E depois a Voz... Sei lá! Tenho de ficar. Tenho de pagar a esta boa gente... </div>
<div style="text-align: justify;">
E saiu. Pouco a pouco, as vozes regressaram ao café. O empregado serviu mais um copo ao Bernardo e disse que era da casa. Acto contínuo, o Bernardo inspirou a cerveja com sofreguidão e saiu apressado com uma mão no bolso. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Marchou pela noite, nas ruelas da aldeia. Não havia gente cá fora, ou estavam no café ou em casa. Sentia-se não secretamente vigiado, via-os a olharem-no pelas janelas iluminadas e nem se preocupavam em fechar as cortinas quando eram apanhados. </div>
<div style="text-align: justify;">
Quando chegou ao seu destino, esmurrou a porta meio embriagado, meio lúcido. </div>
<div style="text-align: justify;">
Uma cabeça ensonada espreitou para fora e o Bernardo perguntou:</div>
<div style="text-align: justify;">
“Correio?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não estamos abertos” resmungou o rapaz. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Disseram no café que tinhas uma mota.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim, e?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Preciso que vás entregar uma coisa.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não estamos abertos, já disse.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Foi então que sacou do anel azul do bolso. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Preciso que vás ao Porto já. Preciso que vás entregar isto à Frederica Da Assunção.” </div>
<div style="text-align: justify;">
O rapaz de olhos esbugalhados abriu mais a porta. Olhos cravados no anel azul. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Eu conheço-te. Vi-te a chegar com o Joel há tantos anos! Quando tu apareces, aquele gajo aparece!” Olhou para a rua receoso, mas o Bernardo abanou o anel diante dos seus olhos. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Toma atenção: Vai ao Porto. Entrega isto à Frederica. Diz que o Bernardo está em Salvador e quer cobrar a ajuda!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Conheces a Voz?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim! Vai!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Porra, OK! OK! Merda, mas porquê agora?!” Fugiu para dentro, indicando ao estranho para entrar. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo seguiu-o e fechou a porta atrás de si, <i>Salvador da Pátria, vamos a isto. </i></div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-11618410725646032982019-10-27T18:20:00.002+00:002019-10-27T18:20:08.551+00:00WRITOBER | 2019 | VINTE E SETE<div style="text-align: justify;">
Onze Anos</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Dois pares de olhos espreitavam dos muros de Salvador. </div>
<div style="text-align: justify;">
Um jovem e um velho; os dois a olhar para lá da aldeia e para as suas estradas. Outros pares também guardavam as entradas para a aldeia.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<a name='more'></a><br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-OB0lAnQqpvc/XbXfwvoMdrI/AAAAAAAAUi0/gBZcP0xCsas-N-5dqd1F3MIUgf0dMibQwCLcBGAsYHQ/s1600/27_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="564" data-original-width="564" height="200" src="https://1.bp.blogspot.com/-OB0lAnQqpvc/XbXfwvoMdrI/AAAAAAAAUi0/gBZcP0xCsas-N-5dqd1F3MIUgf0dMibQwCLcBGAsYHQ/s200/27_10_2019.jpg" width="200" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
O fim da manhã não trouxera o calor às pessoas, que apareciam à rua com capas e agasalho pesado; e as chuvas fortes obrigavam ao uso das botas de lama. Se bem que não viam chuva há dias e que falta fazia agora para apagar aqueles fogos e limpar o ar. </div>
<div style="text-align: justify;">
O jovem estava de pé, a tentar assobiar, enquanto o velho enfiava os dedos num maço rasgado para resgatar o último cigarro. Encostado à sua vara, não era assim que pensava passar os anos da velhice. Enfiou o cigarro entre os lábios e atirou o pacote muro abaixo. O companheiro estalou a língua de desaprovação. Acendeu uma chama com um isqueiro de plástico e chupou o calor do tabaco. Passou ao outro que o imitou. </div>
<div style="text-align: justify;">
Não havia conversa, apenas o passar do cigarro e o fumo empurrado pelo ar. Humanos a serem mecânicos. </div>
<div style="text-align: justify;">
Chegaram ao cu do cigarro; sem mais nada para aproveitar, atiraram-no pelo muro, para um montinho de beatas e maços. Em breve, o café iria deixar de ter mais e a guarda iria passar a ser mais aborrecida. Teriam de conversar. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Está a ver aquilo, senhor Miguel?” chamou o mais novo. </div>
<div style="text-align: justify;">
“O quê?” O velho semicerrou os olhos na direcção que o outro apontou. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Parecem duas pessoas ali.” Estava a apontar para uma coluna de fumo. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Se não andas a ver coisas, rapaz...” Esticou-se para tentar ver, mas a porra do fumo passava à frente. Ou estava a ver bem e o outro estava a imaginar pessoas. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas, tal como o outro disse, dois vultos caminhavam pela estrada quando uma rajada de vento empurrou o fumo para longe. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Ó diacho, cala-te que agora os vejo eu.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Senhor Miguel, já são eles?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sei lá eu! Diz-me se vês armas.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Vejo.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Porra." </div>
<div style="text-align: justify;">
“Mas eles só vêm de tarde” desabafou o rapaz nervoso. E cinco dedos de velho cravaram-se-lhe na pele, ignorando a idade por segundos e fazendo o rapaz encolher de dor. Descobriu a cara do seu assaltante e reparou no esgar do velho, nos olhos a tremer e nas agulhas de lágrimas que lhe cravavam as bochechas. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Senhor Miguel?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“É... é a minha pequena!” Apoiado na vara, tremeu a descer de onde estava para ir à porta. Dois matulões estavam sentados a comer uma maçã quando viram o velho apressado. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Miguel, onde vai a correr?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Eles vêm aí?” Ergueu-se um deles, ainda com a maçã na mão. </div>
<div style="text-align: justify;">
“A minha Vera! Abram, a minha Vera vem aí!” </div>
<div style="text-align: justify;">
Os dois trocaram olhares, mas o companheiro mais novo do velho desceu também e confirmou as duas pessoas. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Uma delas é a Vera! Ainda me lembro dela antes de ter ido embora.” Sorriu para o velho e deu-lhe o braço enquanto os outros destrancavam a porta improvisada. </div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
A porta de Salvador abriu-se para os visitantes: uma Vera que vinha desconfiada daquela muralha e do silêncio sepulcral da sua aldeia e um Bernardo com a estranha sensação de que algo ia acontecer ou tinha acontecido, mas os dois não podiam fazer mais nada se não caminhar em frente e não tropeçar. </div>
<div style="text-align: justify;">
Quando as primeiras cabeças espreitaram pela porta, o velho foi o primeiro a correr para fora, na direcção da Vera. Não foi imediato, mas a rapariga demorou a reconhecer o pai velho, muito mais velho do que estava quando partiu em viagem. Recebeu-o nos braços e sentiu-o naquele abraço. Igual ao último que deram quando deixou Salvador há meses. </div>
<div style="text-align: justify;">
Os olhos saltaram da reunião familiar para o Bernardo que permaneceu atrás, com a lança entre as duas mãos. Os três jovens saíram na sua direcção, mas um vinha a rir com cara de parvo. E a primeira coisa que fez quando se aproximou do Bernardo foi tentar dar-lhe uma palmada nas costas, mas o rapaz recuou e ergueu a lança contra o peito largo. O outro continuava a rir, com os amigos tensos na retaguarda. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não há problema, gente! Na boa!” Soltou uma gargalhada cheia e aliviada e virou-se para os amigos de Salvador. “Senhor Miguel, Ricardo, Jorge, este é o meu irmão Bernardo.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Uma onda de confusão varreu a cabeça do Bernardo quando aquela figura enorme o chamou de irmão. Ali mesmo, nesta Salvador. Várias mãos esticaram-se para o Bernardo que as estava a apertar sem dar por isso, com aquele rapaz à sua frente. De repente, o seu Carlos estava mais constituído, barbudo e cabeludo. </div>
<div style="text-align: justify;">
E se o Bernardo vestia a mesma roupa desde aquele último pequeno-almoço na praça, o seu irmão vestia um macacão, com uma camisola de lã suja e um casaco aberto por cima. A barba e o cabelo ásperos carregavam uma idade que não se lembrava de ver no irmão. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Carlos?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não me gastes o nome!” Tomou o irmão mais velho nos braços e apertou-o pelo tempo perdido. “Onze anos, foda-se.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Soltou-o e procurou-o nos olhos. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Onde te meteste? Não, anda. Não podemos ficar na rua.” </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Por momentos, a guarda de Salvador esqueceu a ansiedade dos que vinham aí e entraram para comemorar o reencontro entre pai e filha e dos dois irmãos que não se viam há onze anos. Quando a última vez que se viram nem foi há duas semanas. </div>
<div style="text-align: justify;">
Um enorme braço de anaconda rodeou o Bernardo e puxou-o contra o Carlos. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Tens de vir à minha casa. Há quanto tempo não comes?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Estou bem. Já comi. Carlos, o que raio se passa aqui?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“O quê?” perguntou a caminhar para o café. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Que onze anos? Que aconteceu?”” </div>
<div style="text-align: justify;">
O irmão parou e voltou-se para o Bernardo. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Entrei na porta à tua procura e já não consegui voltar. O pessoal de Salvador ajudou-me, deu-me casa e comida. Arranjei trabalho e fiquei por aqui. Mas a questão é: onde te meteste? Disseram-me que passaste por aqui com aquele filho da puta e depois foram para Lisboa. Isto há onze anos!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Foi há duas semanas!” Gritou. Fomos a Sintra, fui tentar voltar para casa. E foi quando conheci a Vera. E foi quando...” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim, sabemos o resto.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“O que aconteceu?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Queres a resposta curta ou longa?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Tudo.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Bem, o Joel foi preso pela Mão.” E o Bernardo olhou para a lança dela nas suas mãos. “E depois fugiu.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Sentiu a tensão na voz do irmão e a confirmação da sua inquietação. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Fugiu para onde?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Oh, ele anda por aí. Ele e o seu grupo de palhaços.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“O que queres dizer?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“O teu amigo Joel divertiu-se nestes anos a reunir trastes como ele. Montes de merda que se divertem a pilhar aldeias para encher a barriga.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“E o Império? Os Braços?” </div>
<div style="text-align: justify;">
O Carlos cuspiu no chão e cruzou os braços grossos. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Esses estão ocupados com a nova Voz.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Quem é a voz?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“A última Assunção, ora! A Frederica.” </div>
<div style="text-align: justify;">
A boca do irmão caiu-lhe quase ao chão, mas não a apanhou. </div>
<div style="text-align: justify;">
“O que queres dizer, o que está a acontecer?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Guerra, mano. O país está em guerra e ninguém quer saber de nós. A última vez que tivemos notícias da Voz, foi quando os dirigíveis do tio voaram para o Porto.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Isto é demasiado, Carlos. Esperas que acredite que em duas semanas o país começou à guerra, o Joel anda a recrutar quê, mercenários? E para atacar Salvador? E tu... e tu estás aqui...” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim, estou aqui.” Aproximou-se do irmão mais velho. Um completo paradoxo porque o mais novo é que tinha a aparência de velho. “Tens de acreditar no que te digo, Bernardo.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Foda-se...” Aterrou no chão, mesmo no meio do caminho. A lança pesada caiu aos pés do Carlos que a pegou para a admirar. Nisto, uma moça anafada correu para os irmãos e puxou do Carlos. Tinha o cabelo enfiado num gorro e um sorriso que irradiava simpatia. Beijou o irmão nos lábios e virou-se para o que estava no chão. </div>
<div style="text-align: justify;">
“É o teu cunhado, São.” Voltou a rir quando a mulher o cumprimentou. E ele ali sentado no chão. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Chegaram, chegaram!” Chegou o berro de uma das portas. “Chegaram!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Merda! Rapaz, levanta-te daí e vai para o café” ordenou a São. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo olhou para o Carlos e saiu da figura de onde estava. Ou ia esconder-se no café ou ia com eles enfrentar outro passado. </div>
<div style="text-align: justify;">
A Vera passou com o pai no braço e soube o que tinha de fazer: seguiu o irmão até à voz que berrava os chegaram, mas ficou atrás da muralha de gente. Só ouviu a voz do Joel no outro lado. </div>
</div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-67698644894597049712019-10-26T23:19:00.000+01:002019-10-26T23:19:33.851+01:00WRITOBER | 2019 | VINTE E SEIS<div style="text-align: justify;">
Onze Dias </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Passaram onze dias desde que o velho voltou a abrir a porta. O Bernardo contou-os pelo telemóvel que mantinha ligado; a carregar na tomada daquela nova casa. </div>
<div style="text-align: justify;">
Soube que estavam no seu mundo pelas mensagens, notificações e spam que entupiram o ecrã. Onde? O velho não dissera. A casita era quente e confortável, o oposto da gruta onde estiveram. No fundo, o velho fizera-lhes uma bondade. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<a name='more'></a><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-q_Py-71ss0w/XbTFXhNHjYI/AAAAAAAAUiU/dFpvBkXINvga71rP_RqoEWj5cunFEUu9wCLcBGAsYHQ/s1600/26_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;"><img border="0" data-original-height="183" data-original-width="276" height="132" src="https://1.bp.blogspot.com/-q_Py-71ss0w/XbTFXhNHjYI/AAAAAAAAUiU/dFpvBkXINvga71rP_RqoEWj5cunFEUu9wCLcBGAsYHQ/s200/26_10_2019.jpg" width="200" /></a><br />
<div style="text-align: justify;">
E falaram os dois. A Vera dormiu horas e acordava para os procurar, mas voltava ao sono cansado quando os encontrava. </div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
A conversa entre o velho e o rapaz tinha sido longa e frustrante. </div>
<div style="text-align: justify;">
Os dois (três) tinham quebrado as regras quando o Fausto morrera entre mundos. O velho até simplificou bem as coisas: </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“A morte é só mais uma porta. Abrimos e passamos para o outro lado. Se morreres no mundo dela, vais para um sítio; se morreres no teu, vais para outro. A tua religião chama-o de Além, Céu ou Paraíso. É, ao menos acertaram nisso. Se morreres entre mundos, ficas preso aqui. O que não é suposto. Agora tenho um meio-termo a viver comigo na portaria e isso vai contra as regras.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“E aquilo na neve?” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Foi para ela e para ele. Algumas pessoas precisam de conclusão. O corpo dele foi-se. mas algo dele vai ficar por aqui.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“E nós?” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Também...” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E isso foi há onze dias. Naquele momento, o velho estava fora. Ele era apenas um porteiro que respondia a Alguém. Quem? Também não disse. Quem criou as portas, talvez. Explicou que viajar entre mundos era um privilégio a que poucos tinham direito. Talvez para um eleito ou para quem tropeçasse nas portas como ele. Ou como a Vera e o Fausto. Se o tivessem deixado na outra Sintra, não estariam naquele purgatório. </div>
<div style="text-align: justify;">
Para passar o tempo, abria o chat com o irmão que tinha respondido. As mensagens de reposta datavam de umas horas. E não conseguia dizer se tinham sido enviadas há uma hora ou recebidas há uma hora quando apanhou a rede do seu mundo. Ainda mais estranho foi quando respondeu aos Onde estás? repetidos, às asneiras frustradas e ao último Foste para a porta, atrasado? e obteve erros de envio. Nenhuma mensagem estava a sair. Outro detalhe que o fez coçar a cabeça foi o calendário: só tinham passado horas desde o pequeno-almoço no café em São Salvador. Com o velho fora, guardou esses fantasmas para si. </div>
<div style="text-align: justify;">
A Vera lá se levantava para ir à casa de banho. Ou para comer o que havia na mesa: pão, queijo, havia um jarro com cerveja e carnes frias. A casa onde foram parar estava apetrechada em vários aspectos e nada lhes faltava. </div>
<div style="text-align: justify;">
Quando a companheira de casa se apercebeu da ausência do velho, o Bernardo justificou-a com assuntos que ele por tratar. </div>
<div style="text-align: justify;">
Não fizeram conversa de salão nem se apresentaram formalmente. Partiram do princípio que naquela altura já não era necessário. </div>
<div style="text-align: justify;">
E para não ficarem mudos, o Bernardo contou-lhe partes da conversa: </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Para abrir uma porta é preciso uma chave. Simples: deixamos com ela algo de nós e passamos. A tua mãe foi a chave para entrares. O Joel foi a chave para regressares. A dela também. E a chave dele foram vocês os dois” explicou o velho. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Quer dizer que ele pode entrar?” exclamou quase a saltar do lugar. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Evidentemente. Difícil agora. Problemático se acontecesse.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“O que lhe aconteceu?” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Justiça.” E o Bernardo não perguntou mais sobre o assunto. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A Vera saiu da mesa e foi para a porta de casa. A fechadura rodou, mas a porta manteve-se imóvel. O mesmo para as janelas de vidro. Para lá da casa, um enorme campo de amarelo torrado prolongava-se até fundir com o horizonte. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Falas-me de portas e outros mundos como se não fosse nada, mas tens de admitir que não faz muito sentido” respondeu-lhe a Vera quando desistiu de abrir portas e janelas. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Eu sei, é de loucos! A verdade é que eu vim de outro mundo. Um mundo parecido ao teu. Salvador é São Salvador no meu mundo, não temos Mãos nem Braços nem Imperadores. E temos isto.” Estendeu-lhe o telemóvel. </div>
<div style="text-align: justify;">
Ela aceitou-o, “É um telefone?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim. Também...” riu-se. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Temos telefones. Disto não, talvez os nobres.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim, também me disseram isso.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“O Joel sabia?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Do quê?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“De onde vieste.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Contei-lhe agora para o fim.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Acreditou?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Acho que sim.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Tão fácil...” </div>
<div style="text-align: justify;">
Levantou a mesa e deixou-a na bancada. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Eu lavo.” O Bernardo ofereceu-se, mas ela recusou-o. Foi encostar-se ao vidro e embaciou-o para desenhar nele tal como fizera há dias quando o velho ainda lá estava. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“É o que vai acontecer connosco? Justiça?” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Não sei, Eles ainda vão decidir. É a primeira vez que algo assim acontece e durante a minha vigia. Isto não vai correr bem para mim. Não, não. Por agora, ficam na minha guarda.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Há alguma coisa que possamos fazer?” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>O velho guardião ponderou por um bocado – um longo bocado. Sacudiu a cabeça muito devagar. Também estava sentado à mesa, mas não havia tocado na comida. Era só para eles, disse quando entraram na casa. Não comia. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>O Bernardo acendia a luz do telemóvel e apagava-a. Acendia. Apagava. Acendia. Apagava. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>As notificações da vida real faziam o aparelho vibrar e distraíam o velho que estava sempre a olhar. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Não tínhamos intenção de fazer mal.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Eu sei.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>O Bernardo encheu uma caneca com água da torneira e foi para o vidro. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Estamos no meu Alentejo?” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Por enquanto.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Já fomos duas vezes ao meu mundo. Porque não ao dela?” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Regras.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Regras, certo” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Mas eu posso ir para a minha casa?” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Não.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Não...” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas ao sétimo dia, o Bernardo foi ter com o velho que estava sentado junto à salamandra. A Vera andou acordada nesse dia, mas não falou com ninguém. Tratou da sua higiene e ficou no seu canto, a beber e a comer. Às tantas abraçou-se ou de frio ou de saudade. Quando voltou para a cama, o Bernardo voltou a puxar da conversa. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Tem falado com a Vera?” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Ao tempo dela. Não é fácil. Dá-lhe tempo.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Certo, tempo. Já estamos aqui há mais de uma semana e não nos disse mais nada. Quero saber o que vai acontecer?” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Rapaz: eu tomo conta das portas há mais anos daqueles que sabes contar, uma semana é uma borbulha nas costas de um gigante. Vais saber esperar!” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>E com essa declaração e autoridade, foi como se o velho fosse do tamanho desse gigante. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Desculpe” pediu o Bernardo. “Se alguém tiver de ser castigado, castiguem-me a mim. Eu abri a porta duas vezes. Eu causei aquilo tudo. Eu trouxe o Fausto para dentro. Fiquem comigo. Deixem-na voltar para a família. Faço qualquer coisa!” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>E o porteiro soergueu o sobrolho. Cofiou o queixo e baloiço a cabeça como se concordasse com vozes invisíveis. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Interessante” concluiu finalmente. “Acho que podemos arranjar algo.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E sumiu.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ao décimo dia, o porteiro regressou com um sorriso pintado na face. O Bernardo estava deitado junto à Salamandra enquanto a água escorria no duche. A Vera não se via.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Já decidiram” anunciou quando viu o rapaz sozinho. “Até te estão agradecidos pela sugestão.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Diga-me.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Eles aceitaram a tua culpa. Ela vai poder ir para casa.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>A expressão conflituosa do rapaz não passou despercebida, se estava aliviado pela Vera, estava perdido pela sua sentença, mas o velho tinha mais para dizer: </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Ficas no meu lugar. Eu desapareço.” Quando se apercebeu que o rapaz ia intervir, sacudiu o braço para não o interromper. “E pela tua acção, eles querem que sejas tu a levá-la, e...” e aqui sorriu como uma raposa. “quando acabares tudo no outro lado, voltas para cá. De acordo?” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Engoliu em seco de tal maneira que o outro até ouviu. A maçã na garganta quase que lhe rebentou para fora. Oh, aquela serpente a apertá-lo cada vez mais, a sufocá-lo. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“De acordo... Prometo.” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Pronto. No final, correu bem para todos!” Riu com vontade e quando viu a rapariga a sair vestida, chamou-a e contou-lhe a boa nova. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>A Vera mostrou um sorriso enublado. Queria voltar, mas seria a mesma coisa?” </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ao décimo primeiro dia, o Bernardo tinha a mala cheia com mais comida e bebida. O telemóvel carregado e tudo o que estava em bom estado desde a sua primeira viagem. A Vera só trazia a roupa no corpo, mas sentiu a necessidade de trazer uma faca da cozinha. </div>
<div style="text-align: justify;">
O porteiro fez as duas despedidas, sem qualquer menção ao acordo com o rapaz, e avisou-os que não iam sair em Sintra. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não se preocupem, deixo-vos à porta de casa. Estão quase no fim.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Foi a uma gaveta da casa e tirou a argola de chaves. Também apanhou algo comprido do chão que passou ao rapaz. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não quero isto aqui.” Era a lança que o feriu na cara. Estava melhor agora, a casa tinha primeiros socorros e conseguiu tratar-se o suficiente para não infectar, mas tinha ficado com uma bela marca de guerra. </div>
<div style="text-align: justify;">
Depois Rodou uma, a fechadura fez clique e a casa de campo, algures no Alentejo desapareceu, para dar lugar à porta debaixo dos ramos de cerejeira. </div>
<div style="text-align: justify;">
Abriram-na e saíram para a rua e para um cenário que os agoniou. Quiseram voltar para trás, mas a porta tinha deixado de existir. </div>
<div style="text-align: justify;">
Os ramos da cerejeira estalavam com o vento forte e o cheiro a madeira queimada esbofeteou-os para a nova realidade. </div>
<div style="text-align: justify;">
Vários focos ardiam aqui e ali na direcção de Salvador. Dois cadáveres estavam a ser debicados no montinho da cerejeira por aves que desafiaram a chegada dos humanos e muitos mais jaziam por todo o lado, com armas nas mãos ou cravadas em si. Algumas das expressões eram de agonia e raiva.</div>
<div style="text-align: justify;">
A mão do Bernardo fechou-se com força à volta da lança da Porcelana Branca e a da Vera apertou a faca, que encostou ao peito. </div>
<div style="text-align: justify;">
Juntos caminharam para Salvador. </div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-60931707545229594672019-10-25T12:08:00.001+01:002019-10-25T12:08:48.908+01:00WRITOBER | 2019 | VINTE E CINCO<div style="text-align: justify;">
Mantas</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Só o Bernardo ouviu o velho. </div>
<div style="text-align: justify;">
A Vera continuou abraçada ao Fausto como se tivesse adormecido por cima do corpo – ou mesmo morrido. E o velho também não se repetiu. </div>
<div style="text-align: justify;">
Olhou para ela e depois para o Bernardo encostado à porta. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<a name='more'></a><br /><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-mjQsHRegI04/XbLXtZmSxWI/AAAAAAAAUhE/Cyz1XKr8aIwyEzQcOY8sF9aUX2q_GjWXQCLcBGAsYHQ/s1600/25_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="846" data-original-width="564" height="200" src="https://1.bp.blogspot.com/-mjQsHRegI04/XbLXtZmSxWI/AAAAAAAAUhE/Cyz1XKr8aIwyEzQcOY8sF9aUX2q_GjWXQCLcBGAsYHQ/s200/25_10_2019.jpg" width="133" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
“Temos aqui um problema” começou. “Quebraram as regras quando trouxeram o morto para nenhures. Devia ter ficado no outro lado, assim ia para o sítio certo.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“O que estás a dizer?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Algum respeito aos mais velhos, rapaz. Não basta terem-no trazido para cá, como não sabem falar?” </div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo calou-se e mordeu uma fúria que nascia dentro de si. O sobrolho ainda lhe ardia, mas naqueles segundos a dor tornou-se passageira. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O velho agachou-se sobre o relevo do casal e disse algo que apenas competia à Vera ouvir. Depois regressou ao Bernardo ainda no chão. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Então o que vamos fazer convosco?” indagou para o ar. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não sabemos de regras. Nem sabemos onde estamos” o Bernardo arriscou. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não” concordou. “E a culpa é de ninguém. As regras não estão escritas por aí, mas são mais condutas de senso comum. Não levariam um corpo para a casa de alguém, pois não?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“O nome dele é Fausto” ouviu-se de uma Vera fraca. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Oh, eu sei, eu sei.” Sossegou-a. “Peço desculpa. Já não estou habituado a lidar com pessoas. Vou ajudar-vos com este problema, mas depois temos de falar.” </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Caminhou para o fundo da gruta, onde o Bernardo reparou em algo caído no chão. Seguiu o velho com os olhos que foi até a uma secretária de madeira; abriu uma gaveta e tirou um molho de chaves unidas por uma argola. Tal como nos filmes, imaginou. </div>
<div style="text-align: justify;">
“E tu precisas de te limpar, rapaz” disse, projectando a voz desde a secretária. </div>
<div style="text-align: justify;">
O velho regressou ao grupo, mas foi à rapariga que falou melífluo: “Anda. Vamos tratar dele.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Passou a mão pelo ombro da Vera e agora falou para ninguém: “Há anos que não sentia tanta tristeza... E amor. E fúria. É... bom sentir. Rapaz, dá-me uma mão aqui.” Voltou-se e foi de novo à secretária. Para lá da secretária havia uma cama modesta e mobiliário parco. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Puxa.” Apontou para a cama com a mão livre. As chaves chocalhavam na outra como sinos de domingo. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo obedeceu e puxou do lençol da cama, enrolando-o nos braços.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Os dois regressaram para o morto e o velho voltou a dirigir-se à Vera com serenidade na voz. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Deixas-me tratar dele?” Agachou-se com a elasticidade que ignorava idades e afagou os cabelos espalhados do Fausto. Fechou-lhe os olhos e espero que a Vera cedesse. Demorou até se afastar e sentou-se uns passos atrás a olhar para o velho com o noivo – este mesmo morto ali. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Cobre-o.” E o Bernardo cobriu-o com o lençol. Entalou as pontas debaixo das pernas, braços, ombros e cabeça. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Ele tocava muito bem” comentou com a Vera. As lágrimas haviam secado há muito, só se viam os carreiros secos e sujos da vista. Ela acenou. </div>
<div style="text-align: justify;">
O velho deixou-a e foi abrir a porta com as chaves na mão. Enfiou uma do molho no pequeno orifício e virou-a. A maçaneta cedeu, mas não abriu a porta: toda aquela dimensão fria de cristal azul cobriu-se de um manto fofo e branco. E arrefeceu ainda mais. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo reconheceu as torres da televisão, só não sabia se estava na sua Serra da Estrela ou noutra qualquer. O dia já tinha terminado e por cima daquele branco imenso, estendia-se outro manto negro, apenas pintalgado por olhos celestiais; e a luz da lua em luto. </div>
<div style="text-align: justify;">
Reparou que o velho estava a conversar com a Vera que acenava sem usar a voz. </div>
<div style="text-align: justify;">
Deixou o chão e seguiu o velho para longe, “Vem” chamou o Bernardo que se juntou ao par. </div>
<div style="text-align: justify;">
A neve tomou força e o frio mordia-lhes a ponta dos dedos e do nariz. A Vera abraçou-se e o Bernardo encolheu-se com arrepios. O velho não sentia nada de nada, apenas testemunhava a neve a cair e a amontoar-se em redor do Fausto, o bardo. Soprou e soprou, caiu e caiu. Formou-se uma parede, uma campa nevada e uma rajada de vento teimosa sacudiu tudo de uma vez. E mais nada. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Fausto tinha sumido, reclamado pelo vento dos mundos e ido para qualquer lado. No seu lugar ficou a neve manchada de sangue, mas até essa foi coberta por mais neve e novamente soprada para longe. </div>
<div style="text-align: justify;">
“As nossas pegadas nunca duram para sempre, não é?” Começou o velho. “Mas as memórias nunca o vento as levará.” </div>
<div style="text-align: justify;">
E retornaram ao túnel. A Vera caiu ao chão onde soluçou uns minutos e adormeceu. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo voltou a reparar na lança. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Anda, vamos falar” convidou o anfitrião do túnel. </div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-74917444441751163882019-10-24T22:26:00.000+01:002019-10-24T22:26:16.586+01:00WRITOBER | 2019 | VINTE E QUATRO<div style="text-align: justify;">
Cerúleo</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Com a porta fechada, os três tinham separado as duas realidades. </div>
<div style="text-align: justify;">
Os três: havia um Bernardo encostado à porta, a levar água ao sobrolho para limpar aquela sensação quente; uma Vera que sussurrava entre choros copiosos; e um Fausto deitado no escuro, ensopado de sangue e da água do chão. A sua resistência ao mundo dos vivos era denunciada pela pieira lenta e pesada. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<a name='more'></a><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-AM76sT4ios8/XbIW6ddK-pI/AAAAAAAAUgk/qFT5u7updjQVSxy_7ls5A9aQtj1Z0GjdQCLcBGAsYHQ/s1600/24_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="232" data-original-width="232" height="200" src="https://1.bp.blogspot.com/-AM76sT4ios8/XbIW6ddK-pI/AAAAAAAAUgk/qFT5u7updjQVSxy_7ls5A9aQtj1Z0GjdQCLcBGAsYHQ/s200/24_10_2019.jpg" width="200" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo passou a contar os segundos entre inspirações, atento àqueles gatinhos no peito do estranho que em breve se calariam. Não demorou para que o túnel se enchesse de silêncio... </div>
<div style="text-align: justify;">
Ponderou acender uma luz; ainda tinha o telemóvel no bolso (que bom para ele), mas hesitou. Se não houver luz, nada daquilo aconteceu. Um sonho febril. </div>
<div style="text-align: justify;">
Deixou a mente voltar atrás, até ao momento em que o amigo lhe pediu para esperar. Não acendeu a luz nessa altura e esperou feito estúpido enquanto o amigo (amigo?) seguiu o casal e assassinou o rapaz. <i>Meu deus, e esse rapaz morreu aos meus pés... </i></div>
<div style="text-align: justify;">
Talvez se acender a luz agora, ainda esteja com o Joel no poço. <i>Puta que pariu o Joel!</i> E pontapeou a água, mas também alguma coisa. </div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Por favor que não seja o corpo... </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E o choro voltou. Mas o choro nunca tinha desaparecido. </div>
<div style="text-align: justify;">
A rapariga que ele conhecia como Vera estava à sua frente e sabia-o pela voz. Chorava, parava e falava com a pessoa que o Bernardo ajudou a carregar para dentro da porta. Falava de coisas banais, de música, de histórias, de Sintra e do casamento. E nunca com um tom triste porque estava a tentar convencê-lo a ficar, a viver só mais um bocadinho. Mentia para o salvar; para se salvar. </div>
<div style="text-align: justify;">
O choro passou a um pranto perdido, abafado quando enfiava a cara na roupa do amado. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Viu uma dessas mulheres pagas para carpir num funeral. Excepto, esta mulher não o estava a fazer por dinheiro. Ela pagaria tudo o que tivesse e não tivesse para o trazer de volta. </div>
<div style="text-align: justify;">
Ele não faria o mesmo? Para a ver uma última vez. Vê-la... Arrastou a mão ao bolso e tirou o telemóvel, mas quando o ia ligar, algo aconteceu: por entre o pranto e as convulsões da rapariga, o Bernardo viu as paredes a alumiar de cerúleo e a dar dimensão e realidade ao túnel. As mãos deixaram de sentir a água no chão para apalpar pedra. E viu-os: ela embrulhada ao corpo. E teve frio. De repente, o ar tinha gelado ali. </div>
<div style="text-align: justify;">
E só havia uma porta atrás. Onde devia estar a saída, estava um velho de cabelos muito brancos espalhados pelos ombros. </div>
<div style="text-align: justify;">
Caminhou com uma agilidade de novo para junto do grupo e parou junto ao morto. Procurou-lhe a cara e estudou-lhe as últimas expressões. </div>
<div style="text-align: justify;">
Estalou a língua e comentou: “Vocês fazem muito barulho.” </div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-57807565183482851682019-10-23T13:09:00.001+01:002019-10-23T16:38:06.208+01:00WRITOBER | 2019 | VINTE E TRÊSDeus Ex Clustrum<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-QnrqBpojSMw/XbBC5J7mXmI/AAAAAAAAUfs/2LsYQUwC_BYpEw5fizvDiHxEeMVnpFBDACLcBGAsYHQ/s1600/23_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="470" data-original-width="564" height="166" src="https://1.bp.blogspot.com/-QnrqBpojSMw/XbBC5J7mXmI/AAAAAAAAUfs/2LsYQUwC_BYpEw5fizvDiHxEeMVnpFBDACLcBGAsYHQ/s200/23_10_2019.jpg" width="200" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Os dois rapazes chegaram a meio do túnel quando o Joel ordenou ao amigo para esperar. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Pode ser um segurança a fechar o jardim.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas a traseira do amigo já tinha desaparecido no escuro. Então quedou-se onde estava, com aquela serpente nos ombros a sibilar-lhe medos. </div>
<div style="text-align: justify;">
O soldado apressou-se rasteiro, com a mão fechada no punho da espada e quando deu com a saída, deparou-se com outro cenário. E ouviu tudo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>A tormenta agita o coração do homem bom. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Joel saiu para a claridade do poço e marchou de espada no ar. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Que sem porto seguro, afoga-se. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<i></i><br />
<a name='more'></a><br />
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O relâmpago da voz da Vera rasgou o tempo e a lâmina desceu nas costas do amante perdido no oblívio da ternura. </div>
<div style="text-align: justify;">
A lâmina saiu por baixo, arrastando sangue atrás que espargiu o mármore do poço. O homem deixou cair a Vera e arqueou-se com a dor e com o choque. Lançou as mãos às costas como um insecto tonto a morrer e grunhiu de desespero e confusão. </div>
<div style="text-align: justify;">
Quando finalmente se virou para encarar o atacante, a Vera já estava a correr para ele. Mais sangue a escorrer.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Houve uma tentativa de falar, de chamar pelo nome da sua Vera, mas tanto a voz como o equilíbrio lhe falavam. Cambaleou para trás e viu o segundo homem a formar-se do túnel. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Vera...” balbuciou e o mármore alagado fugiu-lhe dos pés. </div>
<div style="text-align: justify;">
Ia caindo de costas se não tivesse sido amparado por alguma coisa. Apenas deslizou até se sentar no chão, deixando um rasto de sangue pendurado no ar. </div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda conseguiu ver o segundo homem a deter o atacante. A Vera estava a esmurrá-lo, e a pontapeá-lo. A espada estava pendurada toscamente na sua mão como se não a quisesse usar nos outros. </div>
<div style="text-align: justify;">
E a sua expressão. Ele não estava satisfeito; não estava enfurecido. Estava morto.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E à medida que as pálpebras do Fausto se cerravam, algo de curioso aconteceu. O ribombar de tambores. Sim, dos anjos que o viriam receber. Uma vez bardo, para sempre bardo. <i>Parvo, o bardo.</i> </div>
<div style="text-align: justify;">
E os tambores aproximavam-se num crescendo ensurdecedor e metálico. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Vera” tentou de novo, a apontar para a luz que crescia no fundo do seu túnel. </div>
<div style="text-align: justify;">
Depois, o anjo em forma mulher, longo cabelo loiro e solto. A figura angelical vinha ornamentada de branco que absorvia a lua no manto nocturno. E logo atrás, outros quatro anjos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Joel arremessou a Vera pelo chão que escorregou para o Fausto e abraçou-o. Estava a gritar por ele. Pelo outro. Raiva? Desespero. Apertou-o contra o peito quente e irrequieto. O segundo homem reparou no casal e para o encarnado a pairar no ar. A porta? A porta! Correu para os dois, agachou-se e pediu alguma coisa, mas só os lábios se moviam urgentes. </div>
<div style="text-align: justify;">
Já o Joel segurava a espada com uma firmeza renovada para amparar a investida do anjo. Também ele gritou ao segundo homem. </div>
<div style="text-align: justify;">
Com um golpe de espada, o Joel separou a cabeça de um anjo que rebolou para o contorno do túnel. Outro anjo substitui-o, fazendo-o recuar, mas a mulher separou-se da confusão quando reparou no grupo encostado à porta. </div>
<div style="text-align: justify;">
Sorriu e contornou a confusão de anjos contra demónio. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Aquele homem junto ao casal, ergueu o moribundo por baixo dos braços com a ajuda da mulher desesperada e varreu o ar com a mão até sentir a esfera metálica familiar. Com um puxão ansioso, trouxe a porta para fora e berrou para entrarem. A mulher recusou, agarrou no amante e implorou, implorou pela abertura do céu quando tinha a segunda melhor coisa ali. E com o braço livre, o homem da porta empurrou-a para dentro e atirou-se de seguida com o outro. </div>
<div style="text-align: justify;">
A verdadeira expressão do anjo distorceu-se em fúria e desespero, porque os anjos também usam máscaras, e atirou a lança ao ar. Apanhou-a erecta e lançou-a contra a porta. </div>
<div style="text-align: justify;">
A lança era uma arma, mas naquele exacto momento era sua mão - a Mão. A autoridade celestial daquela mulher que estava prestes a deixar a presa fugir pela segunda vez, mas o homem teve de sair da porta, agarrar na porta e puxá-la para dentro. </div>
<div style="text-align: justify;">
Sentiu o choque frio do metal a rasar-lhe a vista e fechou a porta, cobrindo-os na segurança da escuridão entre mundos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não demorou para que o som voltasse. </div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-78006116469527423092019-10-22T17:59:00.000+01:002019-10-22T17:59:05.837+01:00WRITOBER | 2019 | VINTE E DOIS<div style="text-align: justify;">
Todos os Caminhos Levam ao Túnel</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O dia estava longe de terminar, mas os amarelos e os laranjas começavam a pintar o cenário. O sol espiava no céu todas aquelas pessoas que conspiravam. Amor, vida, novas oportunidades, música, livros, traição e glória. </div>
<div style="text-align: justify;">
A Mão acabara de vestir as últimas partes da sua armadura pálida quando o dirigível tocou terra, num intervalo de arvoredo à entrada da serra. Os quatro braços estavam reunidos com notícias - boas, más, relativo, mas o assassino estava perto, e mais importante, quem ajudou a Da Assunção a escapar. Apertou a manopla branca com a certeza de que não lhe iriam escapar pelos dedos. E achou aquele trocadilho tolo, mas estava sobremaneira entusiasmada. </div>
<div style="text-align: justify;">
Desceram da plataforma e subiram a serra. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<a name='more'></a><br />
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
* </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-Qw7j_1opQYk/Xa80vrY62ZI/AAAAAAAAUfc/FzuSwIWxRAokGdTqav2TTHYGKHpgDHlFwCLcBGAsYHQ/s1600/22_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="300" data-original-width="400" height="150" src="https://1.bp.blogspot.com/-Qw7j_1opQYk/Xa80vrY62ZI/AAAAAAAAUfc/FzuSwIWxRAokGdTqav2TTHYGKHpgDHlFwCLcBGAsYHQ/s200/22_10_2019.jpg" width="200" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo foi encontrar o amigo sentado à porta da Tenda. </div>
<div style="text-align: justify;">
Já não havia velhota, apenas o Joel estático a olhar para lá do cerrado dos troncos. </div>
<div style="text-align: justify;">
O recém-chegado descansou a mochila no chão e sentou-se no chão, junto ao rapaz. Olhou para a careca do rapaz e reparou numa sombra castanha a florear-lhe. Até a própria barba rebentava. Há quanto tempo não passava uma lâmina, água, sabão, mesmo uma toalha. Nem fez uma semana, agora que pensou nisso. Chegou a este mundo há uma semana e estava a ver que ia ficar mais tempo – talvez até para sempre. Enterrou a cara nas mãos ásperas. Ouviu a voz do amigo. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Como correu lá dentro?” A sua voz soava distante. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Hum” pigarreou. “Mostrou-me um monte de livros sobre outros mundos e disse-me, vê lá isto, que tenho uma missão a cumprir antes de voltar para o meu mundo.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“E tens?” </div>
<div style="text-align: justify;">
Zombou e respondeu que sim. A primeira coisa que iria fazer era parar a guerra. Sim, talvez tenha vindo aqui parar para acabar com a guerra e juntar as mãos de todos. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Óptimo” concordou o soldado. “Mas se encontrarmos uma porta... Posso ir contigo?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Se é o que queres, aceito. Vem. Falar nisso, o senhor pediu-me para ver de um sítio antes de irmos embora.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Onde é?" </div>
<div style="text-align: justify;">
“Anda, falamos pelo caminho.” Enfiou a mochila pelo ombro que parecia mais pesada. “Oh, sim.” Apontou para dentro,”ele deu-nos alguns restos do almoço. Disse que não gostou e que nos podia safar no comboio.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Específico.” </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo e o Joel meteram-se ao caminho e o Bernardo explicou-lhe que iam ver de um poço. Esse poço também existia no mundo dele e era uma atracção para os turistas que enchiam Sintra. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Só fui duas vezes a Sintra e nunca consegui chegar ao poço. Muita, mas muita gente a tirar fotografias e a fazer filas. Horrível.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Imagino.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não estás muito falador. Encontraste a Vera da foto, foi?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não. Já tinham ido embora.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Oh... Havemos de a encontrar!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Se calhar. Conta-me mais desse poço.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Ah, sim! Não sei muito mais, mas o senhor Constâncio disse-me que a serra de Sintra era um sítio mágico, e que o poço tinha uma energia forte. Quando lá chegarmos, talvez veja alguma coisa.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“E é por aqui?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim, está marcado: olha.” Apontou para umas placas a indicar também o Poço Imperfeito. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E caminharam pelos trilhos abertos por guias; seguiram as cordas e as placas para o poço, deixando jardins, fontes e outros desvios insidiosos para trás. Talvez mais tarde, agora queriam ver o sítio antes de se irem embora. </div>
<div style="text-align: justify;">
À boca de uma passagem escura, o Bernardo ligou o telemóvel pela primeira vez desde há dias e liderou a exploração. O <i>drip drip </i>em eco acompanhava os passos cautelosos dos rapazes. A luz artificial era suficiente para os guiar, mas menos mística. Até que chegaram a uma saída que dava para o poço. O Bernardo fora o primeiro a sair para a claridade que fugia ao dia e o amigo seguiu-o. Ambos olharam para cima, mas apenas o Bernardo soltou o seu <i>uau</i>. O Joel permaneceu calado, com uma mão no bolso e a outra no cabo da espada. Como se pressentisse que alguma coisa iria saltar daquelas passagens e arrastá-los para onde ninguém os pudesse trazer de volta. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não é aqui” disse o Bernardo por fim. “O sítio das fotos não é aqui, Joel. O poço do meu mundo é mais cuidado. Olha para isto!” </div>
<div style="text-align: justify;">
De facto, desde a base às paredes, até à boca do poço, tudo era decrépito e parecia querer ruir a qualquer altura. </div>
<div style="text-align: justify;">
“A placa dizia imperfeito... É isto” retorquiu o Joel. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Talvez haja outro. Só pode. Anda!” comandou o rapaz de telemóvel em riste. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Olha onde estás, amigo. É quase noite e não dá para ver nada. Ainda são muitas passagens. Vamos. Voltamos amanhã com luz.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sinto que estamos perto, Joel. Ah, porra. É frustrante.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Deve ser difícil ter o que queremos à nossa frente e não a podermos ter” concordou com uma secura fria. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas quando o Bernardo se virou para a voz, encontrou-a já muda. O Joel tinha o dedo nos lábios e os olhos arregalados. A outra mão estava dura, à volta do cabo da espada. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Vozes. Por ali” sussurrou para uma das passagens em frente. “Um homem.” </div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo não tinha desses instintos, mas procurou a sua espada em vão. Tinha ficado no carro, à entrada de Lisboa. Agachou-se e trocou de posição com o Joel que se pôs a cobrir o terreno como um predador. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
* </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Sabes como se chama este poço?” perguntou a voz do Fasto que emergiu da escuridão. Ele trazia uma lanterna com luz decente. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Como?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Poço Iniciático. Há outro mais à frente, mas este é mais bonito. Romântico.” Puxou da Vera para a beijar. A sua face ainda estava húmida.” Queres falar do que se passou?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Estou bem. Não te preocupes.” Devolveu o beijo no queijo do amante. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Ei, pensava que ele estava morto. Que aconteceu?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não sei, Fausto. Não sei. Estou tão confusa. Que raio podia fazer?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Podiam ter falado mais.” Ergueu-lhe o queixo para lhe espreitar a cara. “Imagina que também é confuso para ele. Chegar a casa e descobrir que está morto. Pais, amigos, namorada, tudo avançou. Menos ele. Não deve ser fácil.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não...” Encostou-se ao peito do Fausto que balançou naquele chão liso e antigo. Por cima da cruz que apontava para todos os cantos do mundo e assim bailaram solenemente ao sabor da noite que cobria a serra com um manto estrelado. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Quando voltar a Salvador, falo com a mãe dele. E com ele. Merece. Desculpa.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não tens de pedir desculpa. E se achares que faz sentido voltarem a estar juntos... Diz-me.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Fausto, não. Não.” Agarrou-lhe a cara, prendeu-a entre as mãos geladas e encheu-a de beijos húmidos. “Tu e eu.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Apertaram-se e partilharam o calor dos corpos. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Vamos voltar?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Já? Só me contaste o nome do poço. O que faziam aqui?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Bem, eu, não sei bem, mas!” exclamou, “é um sítio <i>muuuito misteriooso</i>. Rituais e, e, nove andares! Nove círculos do inferno!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“És tão tolo.” Riu-se e rodeou-lhe o pescoço num abraço. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Casa comigo.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Já vamos casar.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Agora. Aqui.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Agora? Aqui? E quem oficializa?!” Repetiu com todo o sarcasmo apaixonado. </div>
<div style="text-align: justify;">
“As almas penadas do poço!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Cala-te.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Os lábios aproximaram-se num beijo e abriram-se para receberem os amantes. Os braços puxaram-se ao ponto de querem ocupar o mesmo espaço. O Fausto virou-a contra uma das colunas e ergueu-a pelas pernas, que se ataram à volta do homem como a serpente da tentação. Quando chegou ao pescoço da Vera, um fio de calor escapou com um gemido da boca dela. </div>
<div style="text-align: justify;">
Foi então que ela o viu. Cara esculpida pela raiva, a deslizar na sua direcção - uma das almas penadas com uma lâmina no ar. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Joel, NÃO! </div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-66632933739459629472019-10-21T16:41:00.000+01:002019-10-21T22:05:17.036+01:00WRITOBER | 2019 | VINTE E UM<div style="text-align: justify;">
Demanda do Herói</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="OutlineElement Ltr BCX0 SCXW174457001" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: white; clear: both; cursor: text; direction: ltr; font-family: "Segoe UI", "Segoe UI Web", Arial, Verdana, sans-serif; font-size: 12px; margin: 0px; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: text;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-RQoxu1CvbUQ/Xa3RTfQSGpI/AAAAAAAAUeA/WMhfbNprBe4ZxsSXU_RLdfP_gqmvyCrPQCLcBGAsYHQ/s1600/21_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1440" data-original-width="972" height="200" src="https://1.bp.blogspot.com/-RQoxu1CvbUQ/Xa3RTfQSGpI/AAAAAAAAUeA/WMhfbNprBe4ZxsSXU_RLdfP_gqmvyCrPQCLcBGAsYHQ/s200/21_10_2019.jpg" width="134" /></a><br />
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{7fa2f876-5532-42f6-8ac4-d04019fe7e8b}{74}" paraid="1240368300" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">O Fausto sossegou-a com um beijo na testa e ficou com as crianças no muro.</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">A Vera correu para o Joel, mas parou a meio. Em parte, por respeito ao </span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT"><span class="SpellingError SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: inherit; background-image: url("data:image/gif; background-position: left bottom; background-repeat: repeat-x; border-bottom: 1px solid transparent; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;">actual</span></span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT"> companheiro, mas porque não tinha a certeza se estava a ver bem. Não acreditava em fantasmas, mas que tinha um à frente, tinha...</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"></span>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">Secou a cara com o braço e caminhou a medo até ao rapaz na sombra. Ele também tremia e lacrimejava. Ele estava tão radiante de ver a Vera que bloqueou o que estava a mais.</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
<div style="text-align: justify;">
<span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"></span></span><br />
<a name='more'></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"><br /></span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">Abraçaram-se, apertaram-se, ele afagou-lhe o cabelo que escorreu das orelhas e sentiu a camisa a ensopar-se. Estava tudo bem. Depois chorou com força, mas daqueles choros que não nos ficam bem pelos barulhos e ranho, mas estava tudo bem. Ele desistiu de conter as suas e deixou que as suas lágrimas se misturassem no cabelo da moça.</span><span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335559739":160,"335559740":259}" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"> </span></div>
</span></div>
<div class="OutlineElement Ltr SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: white; clear: both; cursor: text; direction: ltr; font-family: "Segoe UI", "Segoe UI Web", Arial, Verdana, sans-serif; font-size: 12px; margin: 0px; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: text;">
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{32d91eb8-decc-435b-a408-da0f9d64534e}{51}" paraid="770753833" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">Então arriscou e levantou-lhe o queixo para um beijo. Ia cedendo, mas apenas por uma </span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="SpellingError SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: inherit; background-image: url("data:image/gif; background-position: left bottom; background-repeat: repeat-x; border-bottom: 1px solid transparent; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;">fracção</span></span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"> de segundo. Empurrou-se dali, sacudiu a cabeça com vários nãos e pediu desculpa.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><br /></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">Estás morto. Tu não estás aqui. Não estás, não estás, como podes?</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT"> Riu aquele riso de roçar a insanidade.</span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
</span>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT"><br /></span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="font-style: italic; text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">Não estou, não estou! Juro que não, estou aqui. Olha! </span></div>
<div style="font-style: italic; text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">O Joel bateu no peito que ribombou na paz de Sintra. Sorriu-lhe e confessou-se que não tinha morrido. Que tudo era uma piada cruel do Império. Que estava em Lisboa para esclarecer tudo e voltar a ter uma vida normal.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT"><br /></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">Os dois. Eu. E tu. Retomarmos de onde parámos.</span><span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335559739":160,"335559740":259}" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"> </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335559739":160,"335559740":259}" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><br /></span></div>
</span></div>
<div class="OutlineElement Ltr SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: white; clear: both; cursor: text; direction: ltr; font-family: "Segoe UI", "Segoe UI Web", Arial, Verdana, sans-serif; font-size: 12px; margin: 0px; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: text;">
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{a7ef2782-5b04-46d1-bd54-630398d9ab7c}{169}" paraid="1359648710" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">Ela sorriu. As bochechas a ganharem a cor de tomates. Depois chorou. Chovia no mundo dela, nuvens e nuvens cinzentas por todo o horizonte do céu. E o sol estava à frente dela, mas tão encoberto.</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">Então deu um passo em frente. Sério, firme. Ofendido.</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
</span>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"><br /></span></span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">Tu não tens o direito de aparecer aqui e dizeres-me isso!</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"><br /></span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">Quando tempo tinha passado? Meses? Quase um ano? Muita coisa pode acontecer nesse espaço de tempo. E aconteceu. Ela tinha vivido. Ele não.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT"><br /></span></div>
</span></div>
<div class="OutlineElement Ltr SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: white; clear: both; cursor: text; direction: ltr; font-family: "Segoe UI", "Segoe UI Web", Arial, Verdana, sans-serif; font-size: 12px; margin: 0px; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: text;">
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{c6dd1bf9-431e-4eb1-bae1-71fda671093e}{151}" paraid="1578985814" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; text-align: justify; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">Não? Mas... eu fui a Salvador à tua procura. Vim a Lisboa à tua procura. Já... não sentes nada por mim?</span></div>
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{c6dd1bf9-431e-4eb1-bae1-71fda671093e}{151}" paraid="1578985814" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; text-align: justify; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><br /></span></div>
</div>
<div class="OutlineElement Ltr SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: white; clear: both; cursor: text; direction: ltr; font-family: "Segoe UI", "Segoe UI Web", Arial, Verdana, sans-serif; font-size: 12px; margin: 0px; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: text;">
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{6bb9ad95-0828-4dbe-83ed-33404c07ad0f}{27}" paraid="200664148" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; text-align: justify; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">Bastante. Saudades. Luto. Poderia sentir amor, mas esse já o dei a outro. Por favor, não me faças isto. Peço-te.</span><span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335551550":1,"335551620":1,"335559739":160,"335559740":259}" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;"> </span></div>
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{6bb9ad95-0828-4dbe-83ed-33404c07ad0f}{27}" paraid="200664148" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; text-align: justify; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
<span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335551550":1,"335551620":1,"335559739":160,"335559740":259}" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;"><br /></span></div>
</div>
<div class="OutlineElement Ltr SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: white; clear: both; cursor: text; direction: ltr; font-family: "Segoe UI", "Segoe UI Web", Arial, Verdana, sans-serif; font-size: 12px; margin: 0px; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: text;">
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{c9827fdb-7e79-4457-9809-2edfeffd4692}{153}" paraid="1185257245" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; text-align: justify; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">Vera, podemos falar?</span></div>
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{c9827fdb-7e79-4457-9809-2edfeffd4692}{153}" paraid="1185257245" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; text-align: justify; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><br /></span></div>
</div>
<div class="OutlineElement Ltr SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: white; clear: both; cursor: text; direction: ltr; font-family: "Segoe UI", "Segoe UI Web", Arial, Verdana, sans-serif; font-size: 12px; margin: 0px; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: text;">
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{c9827fdb-7e79-4457-9809-2edfeffd4692}{193}" paraid="1450393272" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">Imploro-te. Se me amas. Não me peças isso. Não confio em mim, podia voltar atrás. E... Não posso. Não foste o único a morrer naquele dia. Desculpa. Desculpa.</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">Deixa-me viver como te deixei morrer.</span><span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335551550":1,"335551620":1,"335559739":160,"335559740":259}" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"> </span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
</span>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335551550":1,"335551620":1,"335559739":160,"335559740":259}" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><br /></span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
</span></div>
<div class="OutlineElement Ltr SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: white; clear: both; cursor: text; direction: ltr; font-family: "Segoe UI", "Segoe UI Web", Arial, Verdana, sans-serif; font-size: 12px; margin: 0px; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: text;">
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{6ff33f64-9c27-4693-ae37-1cbb0a247a70}{228}" paraid="275975187" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; text-align: justify; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">Vera.</span><span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335551550":1,"335551620":1,"335559739":160,"335559740":259}" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;"> </span></div>
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{6ff33f64-9c27-4693-ae37-1cbb0a247a70}{228}" paraid="275975187" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; text-align: justify; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
<span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335551550":1,"335551620":1,"335559739":160,"335559740":259}" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;"><br /></span></div>
</div>
<div class="OutlineElement Ltr BCX0 SCXW174457001" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: white; clear: both; cursor: text; direction: ltr; font-family: "Segoe UI", "Segoe UI Web", Arial, Verdana, sans-serif; font-size: 12px; margin: 0px; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: text;">
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{8bdd12c2-9808-4d8f-ad7f-fc7db12ff207}{38}" paraid="593979595" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">Agora ela estava seca e empedernecida. Ele tremia, mãos, olhos, lábios. Levantou a mão que ela tomou à distância e arrepiou-se com o </span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="SpellingError SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: inherit; background-image: url("data:image/gif; background-position: left bottom; background-repeat: repeat-x; border-bottom: 1px solid transparent; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;">afecto</span></span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"> fantasma que imaginou a receber.</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">A Vera devolveu-lhe a mão.</span><span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335551550":1,"335551620":1,"335559739":160,"335559740":259}" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"> </span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
</span>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335551550":1,"335551620":1,"335559739":160,"335559740":259}" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><br /></span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
</span></div>
<div class="OutlineElement Ltr SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: white; clear: both; cursor: text; direction: ltr; font-family: "Segoe UI", "Segoe UI Web", Arial, Verdana, sans-serif; font-size: 12px; margin: 0px; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: text;">
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{4020acc4-0a20-42a2-8954-87053bd701f1}{55}" paraid="2127297013" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; text-align: justify; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">Desculpa.</span><span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335551550":1,"335551620":1,"335559739":160,"335559740":259}" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;"> </span></div>
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{4020acc4-0a20-42a2-8954-87053bd701f1}{55}" paraid="2127297013" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; text-align: justify; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
<span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335551550":1,"335551620":1,"335559739":160,"335559740":259}" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;"><br /></span></div>
</div>
<div class="OutlineElement Ltr BCX0 SCXW174457001" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: white; clear: both; cursor: text; direction: ltr; font-family: "Segoe UI", "Segoe UI Web", Arial, Verdana, sans-serif; font-size: 12px; margin: 0px; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: text;">
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{4020acc4-0a20-42a2-8954-87053bd701f1}{121}" paraid="20200898" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">Recuou sem se desviar dos olhos do amigo, namorado, noivo... o que seria agora? Amigo de novo?</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="ContextualSpellingAndGrammarError SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: inherit; background-image: url("data:image/gif; background-position: left bottom; background-repeat: repeat-x; border-bottom: 1px solid transparent; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;">...</span></span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="ContextualSpellingAndGrammarError SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: inherit; background-image: url("data:image/gif; background-position: left bottom; background-repeat: repeat-x; border-bottom: 1px solid transparent; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;">Um</span></span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"> dia... </span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">V</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">oltou</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT"> para o muro, para as crianças e para o seu Fasto, mas continuou pela sombra das árvores. O Joel seguiu-a com o olhar, mas acabou por se fixar no outro rapaz, cuja expressão era de uma empatia tal que só lhe deu nojo. Foi a segunda vez que se sentiu traído.</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"></span>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">Retornou para trás da casa e marchou contra a parede, passando pela janela aberta, de onde as vozes do Bernardo e de um homem escapavam.</span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT"><br /></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">*</span></div>
</span></div>
<div class="OutlineElement Ltr SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: white; clear: both; cursor: text; direction: ltr; font-family: "Segoe UI", "Segoe UI Web", Arial, Verdana, sans-serif; font-size: 12px; margin: 0px; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: text;">
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{fffa45d0-62e1-4fb5-9ed1-cd8709ce746b}{175}" paraid="123203905" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; text-align: justify; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
<br /></div>
</div>
<div class="OutlineElement Ltr BCX0 SCXW174457001" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: white; clear: both; cursor: text; direction: ltr; font-family: "Segoe UI", "Segoe UI Web", Arial, Verdana, sans-serif; font-size: 12px; margin: 0px; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: text;">
<div class="Paragraph SCXW174457001 BCX0" lang="PT-PT" paraeid="{fffa45d0-62e1-4fb5-9ed1-cd8709ce746b}{180}" paraid="579393853" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; user-select: text; vertical-align: baseline;" xml:lang="PT-PT">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">“Lamento, mas não sei nada de outros mundos” desabafou o velho de nome Constâncio.</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="background-color: transparent; font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Mas a Frederica... O senhor da Bertrand!” O Bernardo apertou os braços da cadeira, inclinado para a frente com o nariz contra o véu do desespero. “Disseram que podia ajudar...”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"></span>
<div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Os dois excelentes alunos, sabes? O Guilherme sempre foi um... cara de cu, mas boa pessoa. A nossa Frederica só se calava para ouvir histórias. Têm esta ideia de que sei tudo, mas que sei eu?”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></span></div>
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT">
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">As folhas das árvores a conversar com o vento e o riso das crianças entrou para dentro da sala, o </span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">tique </span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT"><span class="SpellingError SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: inherit; background-image: url("data:image/gif; background-position: left bottom; background-repeat: repeat-x; border-bottom: 1px solid transparent; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;">tique</span></span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT"> das agulhas da velha preenchia as pausas forçadas entre os dois homens.</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Ela está bem, sabes? Escreveu-me há duas semanas. Está com o tio, mas não diz onde. Não vão avançar por enquanto. E deixa-me admitir, ainda bem. Não acho que teriam grandes hipóteses... Que tristeza, que tristeza o que fizeram ao paizinho e aos irmãos...”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Pois.” suspirou. </span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">Tique </span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT"><span class="SpellingError SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: inherit; background-image: url("data:image/gif; background-position: left bottom; background-repeat: repeat-x; border-bottom: 1px solid transparent; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;">tique</span></span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; font-style: italic; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">.</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT"> “Eu pensava que era algum cientista.”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Das letras, ora!”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Mas não me pode ajudar a voltar.”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">Encolheu os ombros para o rapaz e levantou-se para uma prateleira.</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Se viajar entre mundos fosse tão fácil como abrir uma porta, estávamos nós bem, sabes?”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Mas foi isso mesmo...”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Eu ainda não sei se acredito, mas estou a fazer isto pela Frederica. Tens de me contar tudo e talvez alguma coisa faça sentido.” E com a ponta do dedo, varreu a muralha de livros de várias formas e feitios, com mais ou menos camadas de pó e parou num.</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Ah!” exclamou satisfeito, “ora, conheces O Outro Lado do Espelho? Alice?”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Sim, também existe no meu lado.”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“O outro mundo da Alice era um mundo desprovido de lógica, mas... importante, com uma lógica própria.”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Já não me lembro bem, mas sim. Salvador aqui e São Salvador de onde vim.”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Para começar! Mas era tudo um sonho. Ou o Feiticeiro de Oz! Também têm esse? Por onde andará...”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> <i>Tique tique...</i></span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Também, mas esse não era um sonho.”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Não, não era. Uma porta, uma porta. Tens a Torre Negra... Mundos Paralelos.”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Também conheço esses. Partilhamos literatura, </span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT"><span class="SpellingError SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: inherit; background-image: url("data:image/gif; background-position: left bottom; background-repeat: repeat-x; border-bottom: 1px solid transparent; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;">óptimo</span></span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">!” Parte do Bernardo começava a resignar-se que não iria voltar e isso atirou-o para um humor de merda.</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Mas havia algo em comum em todas as personagens, sabes?”</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“O quê?” Pensava que tinha visto a sombra do amigo a flutuar pela janela, mas devia ser imaginação sua.</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">“Todas tinham uma demanda: vieste do teu Portugal para o nosso Portugal e esbarraste com a última descendente da Voz.” O velho Constâncio falava-lhe com uma entoação de contador de histórias entusiasmado que só faltava fazer as vozes da trama. “Salvaste-a da Porcelana Branca. Sim, eu sei. E talvez tenhas dado um novo fôlego à causa.</span><span class="LineBreakBlob BlobObject DragDrop SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><span class="SCXW174457001 BCX0" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text; white-space: pre !important;"> </span></span></div>
</span><span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="font-family: "courier new" , "courier new_msfontservice" , monospace; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px;" xml:lang="PT-PT"><div style="text-align: justify;">
<span class="TextRun SCXW174457001 BCX0" data-contrast="auto" lang="PT-PT" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-kerning: none; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;" xml:lang="PT-PT">Parabéns, jovem Bernardo. Ainda és o salvador da pátria.”</span><span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335551550":1,"335551620":1,"335559739":160,"335559740":259}" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"> </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335551550":1,"335551620":1,"335559739":160,"335559740":259}" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="EOP SCXW174457001 BCX0" data-ccp-props="{"201341983":0,"335551550":1,"335551620":1,"335559739":160,"335559740":259}" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; -webkit-user-drag: none; background-color: transparent; color: windowtext; font-size: 11pt; line-height: 19.425px; margin: 0px; padding: 0px; user-select: text;"><i>Tique tique...</i></span></div>
</span></div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-25627921437729772832019-10-20T21:01:00.000+01:002019-10-20T21:01:04.558+01:00WRITOBER | 2019 | VINTE<div style="text-align: justify;">
Flashback</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-WonwtbfNhos/Xay883QxrwI/AAAAAAAAUdw/tqc4lul2hbUBCS747zyDxXFF6WTdRkbZACLcBGAsYHQ/s1600/20_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="650" data-original-width="564" height="200" src="https://1.bp.blogspot.com/-WonwtbfNhos/Xay883QxrwI/AAAAAAAAUdw/tqc4lul2hbUBCS747zyDxXFF6WTdRkbZACLcBGAsYHQ/s200/20_10_2019.jpg" width="173" /></a>Era uma vez, um rapaz e uma rapariga. Novos, e apaixonados. Ela por ele, ele demorou a lá chegar. Fizeram a escola juntos – ou até onde deu. Ela foi trabalhar com o pai, ele para academia. A certa altura, durante uma licença dele, fizeram-se noivos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Quando voltar, não tens de trabalhar mais. Podes tocar o dia todo. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas não voltou. Apenas a notícia de que tinha caído em combate. Enterram um caixão vazio.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A noiva, namorada, amiga, colega de escola chorou, berrou, amaldiçoou tudo e todos. E quando o coração se alinhou com a cabeça, e os olhos secaram, rumou à casa da mãe dele. O pai tinha sumido, a mãe ficou para os lembrar. As duas choraram entre vinho e pão. Falaram as horas e confessaram-se. A noiva pediu perdão e a bênção da sogra e partiu livre.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Semanas depois, com as vindimas a espreitarem, um grupo musical passou pela aldeia e instalou-se nos arredores. Não eram um circo, mas montaram tendas, bancas de comida e trouxeram muita animação. Todos gostavam de os receber porque os seus ventos sopravam festas e bons tempos. Eram bom presságio para qualquer actividade e caramba, se não a vindima não foi rica. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E num dia, encostada à cerejeira do monte, a Vera estava metida para si quando a sombra de um moço se apresentou. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Que fazes?” perguntou uma voz masculina.</div>
<div style="text-align: justify;">
A Vera afastou a cabeça do caderno e mirou o rapaz à sua frente. Cabelo arruivado, puxado para trás e atado num elástico. Os olhos sorriam quase como os lábios, e não havia uma ponta de presunção em nenhum deles. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Uma lista.” E voltou a atenção para baixo.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Interessante. Das músicas que queres ouvir logo?” </div>
<div style="text-align: justify;">
Bateu com as páginas e guardou o caderno entre as pernas. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Engraçado.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Eu tento, eu tento!” Esfregou a nuca sorridente.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas a rapariga não deu corda. Apenas o vento monte acima, por entre a relva e a árvore. Ao longe, ouvia-se alguém a tocar numa tenda.</div>
<div style="text-align: justify;">
“É o meu primo a testar o som.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Pronto...” </div>
<div style="text-align: justify;">
E como ela não estava para conversas, o rapaz desceu para as tendas. E acabou por aí.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas no próximo dia, voltaram a encontrar-se. Ela com o caderno e ele com uma guitarra. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Ei, ontem não me apresentei. Sou o Fausto.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Vera.” E foi ela a estender-lhe a mão. O rapaz aceitou-a e devolveu-a, surpreendido com a suavidade daquela mão.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Importas-te?” Perguntou-lhe, apontando para o chão. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Por favor.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Rodeou o tronco da cerejeira e aterrou na relva. Assentou a guitarra no golo e dedilhou o início de uma canção. A porta das recordações abriu-se de fininho e regressou a uma cozinha, com loiça empilhada e alguém que tinha amado. Ele assobiava aquela música quando caminhava ou trabalhava em alguma coisa, mas como se chamava?</div>
<div style="text-align: justify;">
"Como se chama a música?"</div>
<div style="text-align: justify;">
"Mama, I'm coming home, do Ozzy."</div>
<div style="text-align: justify;">
"O que quer dizer?"</div>
<div style="text-align: justify;">
"Mãe estou a chegar. Ou algo assim."</div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Mas ele nunca chegou...</i></div>
<div style="text-align: justify;">
“Pensava que só tocavam pimba” troçou para se trazer de volta. Ele fingiu estar insultado. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Isso são eles. E os velhotes adoram!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Já reparei, já reparei. Todos coladinhos." </div>
<div style="text-align: justify;">
“Tão verdade. Tenho de admitir e não me julgues, mas também toco pimba. Mas" e quis enfatizar o mas, "também toco mais mexidas. Conheces os Beatles?</div>
<div style="text-align: justify;">
Tocou com os nós dos dedos na base da guitarra e começou uma música nova, mas não dizia nada à Vera.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Rádios piratas, conheces?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“É de lá que tiramos estas músicas.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“E se alguém faz queixa?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Pff, não as toco nos bailes. O pessoal quer é ouvir modinhas com trocadilhos picantes." </div>
<div style="text-align: justify;">
Agora riu-se ela. Ele achou que foi o som mais belo que tinha ouvido.</div>
<div style="text-align: justify;">
Sacudiu os dedos pelas cordas e trauteou qualquer coisa. Quando apanhou o ritmo, começou a rimar com o riso dela.</div>
<div style="text-align: justify;">
"Oh por favor, isso nem rima." Revirou os olhos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>A letra não rima.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Devia ouvir o meu pai na concertina!</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Bastou aquilo para a atirar ao chão de tanto riso.</div>
<div style="text-align: justify;">
"Ei, é verdade! Já ouviste o velho!"</div>
<div style="text-align: justify;">
"Que parvo!"</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Parvo, o bardooo! </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
Suspiram o riso e secaram as lágrimas.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Como vai a lista?” Lembrou-se por fim.</div>
<div style="text-align: justify;">
A rapariga estendeu-lhe o caderno que ele aceitou. Ela ainda lutava para controlar a respiração. Ouviu-o a folhear, o papel contra o papel e a bichanar enquanto lia:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>1 – Sair de Salvador </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>2 – Viseu </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>3 – Lisboa </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>4 – Aprender música </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Parece-me bem. Tens tudo pensado. E onde queres aprender música?” Entregou-lhe a lista</div>
<div style="text-align: justify;">
“Numa escola de música. Lá deve haver muitas.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Certo, mas em Viseu também deve haver. Nem tens de sair daqui.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Primeiro ponto.”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim, sair de Salvador. Alguma razão em especial?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não há nada que me prenda aqui.”</div>
<div style="text-align: justify;">
"Os teus pais?"</div>
<div style="text-align: justify;">
"Vão estar sempre aqui para os visitar."</div>
<div style="text-align: justify;">
"Certo."</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Desta foi ele a calar-se quando ela esperava mais. Pouco depois, desceu para as tendas com até amanhãs.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Três dias, três encontros.</div>
<div style="text-align: justify;">
O Fausto correu para a árvore e sorria de orelha a orelha quando anunciou sem fôlego: “tenho uma ideia para a tua lista.”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Ai é?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim! Porque não vens connosco?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“<i>Han</i>?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Arrancamos daqui a uns dias, certo? Depois vamos correr o resto das aldeias até Lisboa.” </div>
<div style="text-align: justify;">
"Sim?"</div>
<div style="text-align: justify;">
“Poupavas dinheiro em viagens e não esperavas por Lisboa para aprender a tocar. Podias aprender connosco!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Contigo, queres dizer.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Se quiseres, sim! A menos que queiras aprender concertina."</div>
<div style="text-align: justify;">
“Pensaste nisto a noite toda?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Nem por isso. Foi a minha mãe a sugerir.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Algo dentro dela estremeceu. Aquela sensação quente de uma família unida e que fala. E havia algo na excitação do rapaz Fausto.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Diz-me, meu caro: e dinheiro? E comida?”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Toda a gente trabalha no grupo e toda a gente come e dorme. Haverá algo para fazeres."</div>
<div style="text-align: justify;">
A Vera saltou da relva e sacudiu o vestido de flores. Apanhou o caderno e abriu na lista.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Estás a sugerir ignorar o meu plano? Trabalhei durante dias nele" resmungou. Os lábios tremeram e rasgaram num sorriso zombeteiro.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Desculpe lá, mas já vi melhores listas de mercearia" gozou o parvo, o bardo. Sim, ele tinha um jeito com as palavras. Os dois riram à gargalhada.</div>
<div style="text-align: justify;">
E naquele fim de tarde, quando o sol se ia deitar, a Vera rasgou a lista. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Os meus pais vão-me matar...” suspirou de ansiedade e ajeitou o cabelo para trás da orelha. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Os meus podem falar com os teus.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Tenho seis anos? Não é preciso.” </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ao terceiro encontro, nenhum deixou o outro sozinho e ficaram os dois encostados à cerejeira. Houve mais festa nessa noite e a família do Fausto repetiu o reportório que o povo adorava. Dançaram, comeram e beberam bem. A vindima estava a correr lindamente. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Fausto subiu ao palco e tocou uma das suas músicas estrangeiras, mas sem cantar. Mas ela estava em conluio com ele e sabia qual era. Ele sorria só para ela. Ela sorria só para ele. </div>
<div style="text-align: justify;">
O resto dos dias passaram num ápice e ela despediu-se dos pais. Prometeu ligar uma vez por dia enquanto estivesse em viagem e duas vezes quando estivesse em Lisboa. </div>
<div style="text-align: justify;">
Passaram-lhe algum dinheiro para despesas e umas garrafas de vinho para os anfitriões. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Dias. Semanas. Meses. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O grupo desceu pelo país, tocou e encantou. Nas pausas, o Fausto ensinou a Vera a tocar e não demorou até se juntar em palco com o grupo; depois só com o Fausto num dueto. <i>Esta é para os apaixonados</i> e derretiam os corações. Não demorou muito a cair por ela. Ela demorou a lá chegar. </div>
<div style="text-align: justify;">
A Vera trabalhou imenso para pagar a sua parte. Gostavam dela e ela de todos, menos do primo que era parvo. </div>
<div style="text-align: justify;">
E, numa noite entre concertos e cantorias, ele declarou-se. Ela que não era burra nenhuma, já estranhava a demora.</div>
<div style="text-align: justify;">
Houve um beijo, outro. E uma serenata improvisada.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando chegaram a Lisboa, a Vera já não tinha interesse em estudar. Trabalhava, sabia tocar e preferia a liberdade da estrada do que os livros entre paredes. Mais, agora estava com o Fausto e estava para lá de feliz. Iam casar no final da digressão e agora era para valer.</div>
<div style="text-align: justify;">
O único concerto que iam dar no Coração do Império seria em Sintra. Ela, o Fausto e os primos iam dar um concerto experimental que ela andou a magicar. Absorveu toda a música estrangeira do namorado, toda a música portuguesa dos pais dele e começou a compor umas coisinhas que o primo parvo começou a cantar. Todos concordaram que tinha pernas para andar e nada melhor que um concerto pequeno para testar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Iam estrear-se num palco rodeado de árvores e bicharada. O par não podia estar mais feliz.</div>
<div style="text-align: justify;">
No dia do concerto, quando o casal descansava, um grupo de crianças correu para ela para lhe pedir lições. A rapariga da aldeia que já se achava capaz de ensinar, não quis recusar. Tocou uma, duas e à terceira canção, um fantasma materializou-se na sombra da Tenda da Ninfa.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os dedos congelaram nas cordas, a voz agoniou-a e engoliu para não vomitar. Os olhos traíram-na e voltaram a escorrer.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
"Olá" saudou o Joel.</div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-9853349975594461862019-10-19T16:03:00.000+01:002019-10-19T16:03:44.921+01:00WRITOBER | 2019 | DEZANOVE<div style="text-align: justify;">
Sintra</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-gj99lxPHqN0/XaslyPm1a7I/AAAAAAAAUco/zQGXyan9-9kXceVPtrBqBoCtZGJI4oTXACLcBGAsYHQ/s1600/19_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="846" data-original-width="564" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-gj99lxPHqN0/XaslyPm1a7I/AAAAAAAAUco/zQGXyan9-9kXceVPtrBqBoCtZGJI4oTXACLcBGAsYHQ/s320/19_10_2019.jpg" width="213" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
“A linha de Sintra é igual em todo o lado!” Bradou excitado perante o cenário familiar das pessoas a correrem para lá e para cá; das conversas marulhadas e da voz omnipresente da estação a anunciar os próximos destinos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Da livraria à estação do Rossio foi um salto e era melhor apanhar o comboio ali do que noutra estação. O Bernardo não lutava, não conduzia e tinha os instintos de sobrevivência de uma cadeira, embora esta soubesse cair quando em perigo, mas conhecia as suas estações para ir a Sintra. </div>
<div style="text-align: justify;">
Daí que foi um choque quando viu o Rossio cheio fora da hora de ponta. </div>
<div style="text-align: justify;">
Havia todo o tipo de pessoas por ali, desde pessoas com fatos que iam trabalhar a crianças; estudantes e reformados. Outros que carregavam mochilas e varas de caminhada; alguns comiam e bebiam e outros que adormeciam mal se sentavam. Viram dois polícias a patrulhar e a desaparecer nas escadas. </div>
<div style="text-align: justify;">
Sentaram-se num banco da estação e deixaram o comboio partir para escoar a plataforma, mas não arriscaram no próximo e furaram para o fundo da carruagem. O comboio soluçou e arrancou, deslizando pela linha fora. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Ei.” Cotovelou o amigo que ainda estava colado ao panfleto. “Agora é rápido.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Nada. </div>
<div style="text-align: justify;">
“É a tua primeira vez?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Hum?” Levantou os olhos para a pergunta. “Num comboio?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sintra.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Acenou um sim que se evaporou no papel com a foto da noiva. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo acabou por se calar e deixar o outro na sua cabeça. Afundou-se no banco, abraçado à sua mochila. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ao contrário do seu mundo, os passageiros na carruagem não eram tão diversos e ricos. Sentiu a falta daquelas conversas cruzadas em crioulo, e tentar decifrar o que diziam, apanhando uma palavra aqui e ali. Também não ouviu o brasileiro. No seu lado, as pessoas abriam portas para tentarem sobreviver noutros países e se algumas conseguiam, havia quem odiasse ter as suas portas escancaradas. E qualquer coisa era melhor que a monotonia daquela carruagem. </div>
<div style="text-align: justify;">
A vista da janela seduziu-o, com os muitos prédios a multiplicarem-se; a passarem a fábricas a cada estação que paravam; a desaparecerem e abrirem em campos de cultivo; e às primeiras árvores que se erguiam da terra. Estas mudanças embalaram o Bernardo que acabou por ver o resto para dentro. O Joel acordou-o quando chegaram à estação terminal e todos saíam. </div>
<div style="text-align: justify;">
Esfregou os olhos para acabar de acordar e pediu ao amigo para ficar. A carruagem esvaziou-se dos últimos passageiros e os dois seguiram em último. </div>
<div style="text-align: justify;">
Foram atrás das pessoas pela estação e saíram para a rua. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O fresco recebeu-os com abraços e arrepios. Os rapazes não estavam preparados para aquela diferença, muito menos o Bernardo que não tinha outra roupa. Esta Sintra não era a que tinha na cabeça, cheia de turistas e lojas de bugigangas. Não havia fachadas ou casas velhas a cair, havia sim muito verde. Esta Sintra era limpa e as pessoas com as suas vozes de mar agitado, mais todos os ruídos eléctricos dissolveram-se num silêncio de igreja, respeitoso e solene. </div>
<div style="text-align: justify;">
Aspirou o ar puro enquanto o amigo caminhava à frente e procurou por sensações semelhantes no outro lado. Era quase como entrar numa bolha onde o tempo não tinha autoridade. </div>
<div style="text-align: justify;">
De mochilas às costas, bastões ou com crianças pela mão, os vários grupos seguiram pelos caminhos marcados e desapareceram nas curvas dos grossos troncos das árvores que viviam na serra há anos atrás de anos. Após pedirem indicações, os dois rapazes fizeram o mesmo e lá foram. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há muito que a fauna deixara de mostrar curiosidade pelos visitantes, principalmente as aves que saltavam de ramo em ramo em amena cavaqueira; os outros animais levantavam as cabeças e voltavam aos seus afazeres, mas quando o Bernardo passou, talvez pelo cheiro ou pela aura de estranho, houve um silêncio de segundos que durou uma eternidade até retomarem as rotinas. </div>
<div style="text-align: justify;">
Três pequenos dirigíveis sobrevoavam as copas frondosas da serra para lá e para cá, mas desta vez, o Bernardo não se atirou ao chão. Admirou-os ao longe com um sorriso de aventura que borbulhava dentro de si. Só ignorava que alguém o olhava de volta. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Demoraram o seu tempo até verem a Tenda da Ninfa que não era uma tenda, mas uma casinha bucólica de porta aberta para receber o ar. Havia uma senhora sentada num mocho, um cesto colado às pernas e fios que subiam até às suas mãos. Duas grandes agulhas a dançar-lhe entre os dedos e um sorriso experiente nos lábios da velha. </div>
<div style="text-align: justify;">
Um grupo de músicos ensaiava folioso e ria muito entre cantigas e garrafas. </div>
<div style="text-align: justify;">
“É aqui” indicou o Bernardo. “Vens?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Vou explorar.” Despediu-se com uma palmada nas costas do amigo e dirigiu-se para a música. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Força nisso.” </div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo podia sentir o amigo se estivesse para aí virado, mas com a porta da Tenda aberta, havia apenas um objectivo e um só: o homem dos livros e voltar para casa. O amigo iria ficar bem. </div>
<div style="text-align: justify;">
Cumprimentou a velhota com um boa tarde e entrou para a sombra da loja, onde foi encontrar uma mesa com torres de livros tão diferentes dos da Bertrand. Todos os géneros que não estavam nas prateleiras da livraria mais antiga do mundo estavam ali representados. Reconheceu alguns do seu mundo e o coração derreteu-se ao ver um exemplar do seu livro favorito. Tinha a impressão de ter entrado num mundo aparte, numa casa rodeada por natureza, recheada de ideias, cheiros e banda sonora. Tão surreal e mágico e cada passo para dentro era um risco ansioso e uma possível desilusão. </div>
<div style="text-align: justify;">
O chão de madeira velha denunciou-o e a cabeça de um velho espreitou de uma torre de livros. Com o indicador nos lábios, nem deixou o Bernardo falar. </div>
<div style="text-align: justify;">
Saltou da cadeira e pôs-se ao lado do rapaz, puxando-o para si como se o conhecesse desde criança. </div>
<div style="text-align: justify;">
“O Guilherme disse-me que vinhas aí. És tu, não és? Não me enganei?” </div>
<div style="text-align: justify;">
Falava rápido, as palavras acabavam onde as próximas começavam. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Ela está bem? A Frederica? Onde se viram? O anel?” </div>
<div style="text-align: justify;">
E só teve tempo de o tirar do bolso e mostrar ao velho da Tenda da Ninfa que deixou cair a boca. Fechou os lábios num sorriso satisfeito. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Anda, vamos falar.” </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Enquanto isso, lá fora, o Joel mostrou o panfleto ao grupo que apontou para as traseiras da casa. Seguiu de mãos nos bolsos, a espreitar pelas janelas, e rodeou a parede. Sentia-se de volta à guerra, como aquele tinido ao longe e a antecipação de uma emboscada. </div>
<div style="text-align: justify;">
Os pássaros chilreavam, os ramos vergavam com o vento e as folhas aplaudiam a cantilena no jardim. O Joel ouviu vozes de dentro e virou no último canto. E foi quando a viu. </div>
<div style="text-align: justify;">
A Vera de Salvador sentada no muro; a guitarra de pé contra o seu peito. Tinha o cabelo maior espalhado nas costas e estava vestida para o tempo fresco de Sintra. </div>
<div style="text-align: justify;">
A voz que nunca tinha saído das memórias do Joel contava histórias a um grupo de crianças atentas. Ao lado da rapariga, estava outro rapaz que a olhava apaixonado. </div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-59982922489558953992019-10-18T18:10:00.000+01:002019-10-18T18:42:01.703+01:00WRITOBER | 2019 | DEZOITO<div style="text-align: justify;">
A Livraria Mais Velha do Mundo</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-tkrpBa8yOx4/Xanx16K3d9I/AAAAAAAAUcQ/eJExWaop9Pgh596ZeCJCQJUMNZCdf2fOQCLcBGAsYHQ/s1600/bertrand_chiado_fachada-s-816x544.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="544" data-original-width="816" height="213" src="https://1.bp.blogspot.com/-tkrpBa8yOx4/Xanx16K3d9I/AAAAAAAAUcQ/eJExWaop9Pgh596ZeCJCQJUMNZCdf2fOQCLcBGAsYHQ/s320/bertrand_chiado_fachada-s-816x544.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
“... E contaste-lhe tudo?” perguntou o Joel com a cabeça enterrada no volante. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Perguntei-lhe sobre livrarias e a coisa escorregou...” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Escorregou... Bernardo, eles queriam entregar-te...” </div>
<div style="text-align: justify;">
A noção súbita da asneira que fez correu-lhe pela vista como um animal a atravessar o trânsito de noite. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Achas que eles vão falar?” perguntou a sentir a serpente da ansiedade a enrolar-se nas extremidades. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim. Se não falaram já.” Expulsou todo o ar que guardava nos pulmões e susteve a respiração. </div>
<div style="text-align: justify;">
Ninguém falou nos próximos minutos. E os minutos roçaram a hora quando o dia começou a espreitar por entre os prédios. Havia aquele espaço ansioso e eléctrico - uma espécie de cofre onde o Joel decidiu guardar o destino do namorado.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ergueu a cabeça e fixou o escorrega e o baloiço do jardim onde estavam parados. Havia uma saudade e um pesar naquele olhar demorado; a respiração deu lugar a um suspiro que carregava um conjuntivo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Finalmente encarou o amigo, “E o que ela disse?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Bertrand.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“O que é isso?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Uma livraria que também existe no meu mundo. É a mais antiga no mundo e não sei como não me lembrei...” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Só fui duas vezes a Lisboa. Sabes lá ter?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Se for no mesmo sítio, sei.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“E depois?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Tenho de mostrar este anel a alguém de lá e espero que me ajudem a voltar para casa.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“E depois vais? Quer dizer... para o teu mundo?” </div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo não respondeu, mas entendeu o silêncio das pausas do Joel. </div>
<div style="text-align: justify;">
Havia uma casa em Salvador para onde não podia voltar mais. Não era a primeira vez que tirava uma vida – como soldado, era esperado dele. Era o seu trabalho. Agora que estava fora, tirar uma vida era... errado. Se bem que, ele também estava morto. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Vamos lá, amigo. Vamos primeiro à livraria e depois vamos ver da Vera.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Obrigado.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Prefiro que me contes tudo do teu mundo.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Há muita coisa que não percebo do teu. Mãos e braços?” Sacudiu os ombros a forçar um riso. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não é muito complicado. Vamos a pé. É melhor.” Foi o primeiro a sair e trouxe tudo para fora. A consciência fê-lo carregar com mais. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E caminharam para Lisboa. Não é que estivessem muito longe, mas até à Baixa ainda ia um bom bocado. Falaram bastante. O Joel explicou-lhe que os Braços eram a força bélica do Império. Havia os soldados como ele e os Braços. Gozou que não sabia se eram elite com armadura bonita ou autónomos; e as Mãos eram os generais que lideravam essa força. Não eram muitos, mas cada um tinha uma autoridade tremenda e era uma honra servir com eles. Havia outros escalões mais altos, mas estes eram dos poucos com tomates para sujar as mãos - daí serem as Mãos. </div>
<div style="text-align: justify;">
Pés, Pernas faziam o país andar. O Imperador era a Cabeça, que vive no Coração do Império e por aí. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Política, sério. Também não entendo muito.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“No meu lado não é muito diferente: temos um presidente. Mal comparado é a Cara daqui. Só serve para as fotografias.” </div>
<div style="text-align: justify;">
No cinzento das pequenas horas do dia, os dois amigos riram ao ponto de quase poderem acordar a vizinhança. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Serias preso por dizer isso” sussurrou quando se apercebeu do chinfrim. </div>
<div style="text-align: justify;">
E quando chegaram a Lisboa, o Bernardo sentiu-se em abraçado por paisagens familiares. Rodeado por prédios num mundo, rodeado por prédios noutro mundo. </div>
<div style="text-align: justify;">
Continuava a odiar Lisboa, mas agora já se orientava bem. E continuaram a marchar sempre para baixo, para o Tejo, com a sorte nos pés porque horas depois dois Braços descobriram o carro parado. </div>
<div style="text-align: justify;">
Começava a haver movimento e cheiros de um novo dia. E muito barulho. As pessoas iam e vinham e ziguezagueavam nas ruas. Falavam alto, resmungavam e rabejavam para os trabalhos. O tremor familiar do metropolitano existia naquele mundo – e às 11 horas estavam onde era a linha verde da sua realidade. E sempre para baixo sem chegar a ver o Martim Moniz, só casas clonadas da primeira do corredor. Não havia aquela mistura rica de cores e vozes e aromas de outras culturas e histórias. Esta Lisboa era estéril e monótona e todos eram iguais até ao mais ínfimo das suas ideologias. </div>
<div style="text-align: justify;">
Finalmente, a Baixa. Mas desta Baixa gostou. Primeiro, porque conseguia andar! Era tudo tão tradicional e... primitivo, quando tomou consciência do que acontecera na Praça... </div>
<div style="text-align: justify;">
Encontrar a livraria foi um piscar de olhos. E era quase hora de almoço quando entraram na sombra da loja. </div>
<div style="text-align: justify;">
Havia pessoal jovem lá dentro. A ler e a comprar. E interessados em tomos grossos e com muitas letras e poucas imagens. E pagavam com notas contadas e saíam agradecidos. Velhos sentados nos sofás batidos para soltar o pó, liam os jornais do dia; livros de colecções numerosas. Uma viagem rápida pelas prateleiras não o levou ao escapismo. Havia várias disciplinas e romances regulados, mas para um mundo após outros mundos: zero fantasia. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Desistiu e aproximou-se do empregado, enquanto o amigo vasculhava a categoria bélica. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Bom dia, estou à procura de um livro... de Ciências.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Bom dia,” respondeu o empregado seco da Bertrand. “Podia ser mais específico?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim, desculpe...” Inclinou-se sobre o balcão. “Sobre a possibilidade de outros mundos.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Deve estar enganado.” Além de seco estava com uma cara de nojo pomposo. Deve ser por trabalhar na livraria mais antiga do mundo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo remexeu nos bolsos com uma ideia na cabeça e extraiu o anel azul. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Talvez isto ajude?” </div>
<div style="text-align: justify;">
A boca do empregado abriu-se como o túnel dos tesouros e fechou-se rapidamente para os esconder. Puxou dos óculos pendurados ao peito e ajustou-os à cara e por um segundo, o Bernardo viu a máscara da cara a desfazer-se. Toda secura, o nojo e o nariz empinado sumiram numa miragem. Deixou escapar um sorriso no canto dos lábios, mas rapidamente o cobriu de tons profissionais. Afinal, estavam os dois na livraria mais antiga do mundo. </div>
<div style="text-align: justify;">
Puxou de um panfleto exposto no balcão e empurrou-o na direcção do Bernardo. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Desculpe, mas não dispomos de livros de fantasia” devolveu, mas com um dedo numa foto. Era uma loja e um outro local: A Tenda da Ninfa. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Obrigado.” Aceitou o panfleto cultural e reparou que a foto era a porta de uma loja. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Com mais questões do que respostas, o empregado tinha sumido noutro cliente. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo foi encontrar o amigo a folhear um livro fotográfico e quando lhe perguntou se tinha novidades, este só lhe mostrou o panfleto, mas podia ter-lhe mostrado uma mala cheia de dinheiro. A cara do amigo era a cara do emprego quando vira o anel. Pegou na mão do Bernardo e correram loja fora, deixando o livro aberto no sofá. Pouco depois, o mesmo empregado voltou para o arrumar. Sorria por dentro, hoje o dia estava a ser interessante. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Engraçado estas coisas do destino, às vezes existe para foder uma pessoa, mas às vezes até que sopra a favor. Sintra estava em festa segundo o panfleto e nessa semana ia haver concertos e numa das fotos das bandas estava a sua Vera. </div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-36309401180104972852019-10-17T22:11:00.002+01:002019-10-17T22:15:26.737+01:00WRITOBER | 2019 | DEZASSETECOPS<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-TSHmS9PYAjQ/XajZ3ed8RhI/AAAAAAAAUbY/SSWL1bo_oygbiYcTcfq2R6SfIoChVyFPQCLcBGAsYHQ/s1600/17_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="881" data-original-width="564" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-TSHmS9PYAjQ/XajZ3ed8RhI/AAAAAAAAUbY/SSWL1bo_oygbiYcTcfq2R6SfIoChVyFPQCLcBGAsYHQ/s320/17_10_2019.jpg" width="204" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
O borrão no céu nocturno desceu ao parque da estação de serviço e os dois polícias foram receber a Porcelana Branca.</div>
<div style="text-align: justify;">
Aproximaram-se com bastões luminosos para indicar o caminho à general que desceu com quatro Braços.</div>
<div style="text-align: justify;">
A estação de serviço não fechava, e àquelas horas só viam um ou dois clientes, grande parte camionistas, mas naquela noite estavam lá todos. A polícia, a ambulância e uma televisão.</div>
<div style="text-align: justify;">
A Taisa percorreu as filas de carros e parou quando um dos guias lhe apontou o dos suspeitos. Aproximou-se e espreitou pelo vidro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Acordaram-me para isto... fazer de polícia... </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Levaram o carro da vítima, General” comentou um dos polícias.</div>
<div style="text-align: justify;">
"E onde está ela?” Ali. Na ambulância. Venha.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Estava fora da sua armadura, fora da fama, mas conseguia ser imponente e os homens ali respeitavam-na, temiam-na. Ou talvez aos Braços que a seguiam. Tinha o cabelo preso, de novo ao peito, mas vestia roupa de viagem, com uma espada curta à cintura. Um dos Braços carregava-lhe a lança e os três pareiam estar desarmados.</div>
<div style="text-align: justify;">
Seguiram para as traseiras da ambulância onde a equipa médica a esperava e ao sinal da autoridade, abriram a porta e puxaram da maca, com o corpo fechado no saco.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Quem fez isto, fez um lindo serviço. Que querem que diga agora? </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Afastou-se para os seus Braços e distribuiu instruções. Dois ficaram com ele e os outros seguiram para a estrada. E caminharam para a noite.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um dos polícias fechou o saco e ditou o historial da vítima de um bloquinho branco: o nome do rapaz, onde tinha nascido e acabado por servir etc. O básico, mas havia uma coisa que não entendia, disse ao coçar o queixo com a caneta.</div>
<div style="text-align: justify;">
“A companheira da nossa vítima disse que ele tinha morrido em combate.”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Não faz sentido” complementou o colega. “Sabe de alguma coisa?”</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Interessante. Alguns fugiram. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Não” respondeu seca e firmemente. “Quero falar com a outra vítima.”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Por aqui.”</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Os dois polícias sacudiram os bastões para os dois outros colegas que barravam a entrada à jornalista que tentava espreitar ou sacar informações do caso.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Que faz aqui um civil?” Questionou a Taisa quando se encontrou junto da mulher que arregalou os olhos ao ver a própria Porcelana Branca a presidir um homicídio.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Que faz aqui a Porcelana Branca a presidir a um homicídio?” Devolveu no tom falso que todos já conheciam. Rita Esteves Cardoso, repórter cor de rosa, repórter da satisfação instantânea. Ninguém sabia como, mas a cabra chegava sempre primeiro, e todos no meio já lhe conheciam as manhas. Havia rumores de que pagava bonito a alguém para ter estas dicas ou fodia como ninguém - não obstante, ali estava ela de câmara na mão.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Esperem! A menos que não seja um simples homicídio? Que outra razão haveria para chamarem uma Mão?”</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Eu punha a minha mão na tua cara... </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Tirem-na aqui, por favor.”</div>
<div style="text-align: justify;">
“General, por favor. Uma palavra e juro, juro que saio!” Parecia desesperada, honesta como se a vida e a carreira dependessem daquela palavra.</div>
<div style="text-align: justify;">
A Taisa encarou-a com um sorriso neutro, dando-lhe uma falsa esperança de que ia cooperar.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Proíbo qualquer declaração. Não a quero ver quando sair.” Sem exclamações ou levantar a voz. A guarda abriu caminho e deixou-a passar pela porta com a jornalista a esticar-se para espreitar. Berrou qualquer coisa, mas a porta fez o favor de a abafar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O empregado estava atrás do balcão. Secava uma pilha de pratos brancos quando a Taisa entrou na sala e meteu-se em sentido quando a viu. Os guardas distraídos imitaram de seguida, mas só uma não reagiu com a presença da Mão.</div>
<div style="text-align: justify;">
A agente estava sentada numa cadeira junto à da Ana. Tinha-lhe oferecido uma manta e uma refeição da estação. E ela bebia uma caneca de café negro, sem porcarias a adoçar. Ela era durona, até na sua cafeína.</div>
<div style="text-align: justify;">
“General Taisa. Ana” apresentou as duas. Deixou a caneca em cima da mesa e inclinou-se para a vítima e falou como se a outra não estivesse perto. A General deveria sentir-se incomodada e insultada por estarem a bichanar na sua presença, mas havia uma missão no seu sistema:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Despachar esta merda e voltar para a cama. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Disseram que tinham algo a reportar” comandou-as.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Vá lá, querida. Não falaste comigo, mas tens de falar com ela.” A agente tinha a mão nas costas da Ana e esfregava-a calorosamente, com confiança e para a tranquilizar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por entre a manta, os olhos da Ana apontaram para cima e encontraram a mulher general, uma das Mãos. Descobriu os dos Braços atrás e decidiu que aquilo era mesmo a sério...</div>
<div style="text-align: justify;">
“Sei onde a Frederica Da Assunção está.”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Sério?” E tudo começava a fazer sentido.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Hum...” olhou para o chão. Hesitou. “Sei de quem sabe dela!”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Onde é que ficamos?”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Chama-se Bernardo. O amigo chama-se Joel e foi ele que matou o meu namorado. O Bernardo ficou comigo e contou-me que a viu em Salvador e escondeu-a numa porta.”</div>
<div style="text-align: justify;">
“E contou-te porque?”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Contou-me enquanto o amiguinho matava o meu namorado!”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Para onde foram eles?”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Lisboa. Uma livraria qualquer.”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Disse mais alguma coisa?”</div>
<div style="text-align: justify;">
Sacudiu a cabeça. A Porcelana Branca virou-se para sair quando foi chamada pela voz da Ana. Não tão frágil como há minutos, mas calma, monocórdica.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Vou ser recompensada?”</div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim.”</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Prioridades... </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E continuou para a porta. A agente aconchegou-a na manta; a jornalista estava no outro lado da estada de câmara na mão e a ambulância tinha voltado a Lisboa. Um carro acelerou pela estação e desapareceu para a madrugada.</div>
<div style="text-align: justify;">
A Taisa e os dois Braços regressaram ao dirigível que tomou as alturas e zarpou.</div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-40846660909536077362019-10-16T20:40:00.001+01:002019-10-16T20:40:42.747+01:00WRITOBER | 2019 | DEZASSEISWe Were Soldiers<br />
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<a href="https://1.bp.blogspot.com/-BzyLKnf8Wzg/XadyKI9Wh1I/AAAAAAAAUbM/gtCG47N5IVsGP01i_3ZEbPgLh_hXvKUawCLcBGAsYHQ/s1600/16_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="960" data-original-width="354" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-BzyLKnf8Wzg/XadyKI9Wh1I/AAAAAAAAUbM/gtCG47N5IVsGP01i_3ZEbPgLh_hXvKUawCLcBGAsYHQ/s320/16_10_2019.jpg" width="118" /></a><br />
<div style="text-align: justify;">
O homem bateu ao de leve na ponta do cigarro. </div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
A cinza solta caiu no chão, num montinho, e devolveu-o à boca, sugando o calor. Um pirilampo rúbeo surgiu na berma da estrada e desapareceu. O homem expulsou o fumo para cima. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Aquilo foi de loucos, viram?” Perguntou ao Joel que esfregava o tronco para se manter quente. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo e a namorada do homem ficaram no carro a conversar enquanto os outros dois tinham voltado para o motor do carro avariado. O casal Ana e Mário tinham saído da estação uns cinco minutos depois. A emissão tinha sido cortada quando começaram a remover os corpos, o velho continuava a rir e o empregado tinha voltado para os seus ovos. Não estavam ali a fazer nada: pagaram e piraram-se. Que sorte terem seguido a mesma estrada para os encontrar ao ali... e ao frio... </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
"Vi muita merda na fronteira, mas nada assim tão... falta-me a palavra!” Tirou o cigarro dos lábios. “Gratuito! Entendes?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Serviste?” Questionou o Bernardo. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Afirmativo. Elvas. Tu?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Chaves.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Outro homem das bordas. Manter os espanhóis fora, não é?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Afirmativo!” Os dois soldados riram e quando riam, afugentavam o frio. “É, mas parece que nós também ficámos de fora. Não é que cheguei a casa e tinham dito que...” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Tinhas morrido?” completou o Mário. A cara de espanto denunciou-os. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Tu também?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Eu também, amigo. Os meus pais pareciam que estavam a ver uma assombração a passar pela porta!” Deixou escapar uma gargalhada sonora. </div>
<div style="text-align: justify;">
“A minha mãe quase que me desancou à porrada. A minha noiva sumiu para Lisboa. Foi uma alegria. Na verdade, eu e o Bernardo estávamos a ir ter com ela!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Nisso tive sorte, a minha ainda estava por casa. Quando me viu ia morrendo ela.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Mas porquê?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Fácil.” Atirou o cigarro ao chão e pisou-o. “Dinheiro e patriotismo. Mais mortes igual a menos salários. Mais mortes igual a mais ódio pelo inimigo.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas o outro não respondeu. Olhou para o chão e esburacou-o com a ponta da bota. </div>
<div style="text-align: justify;">
“É por isso que nos andam a matar.” E o Joel saltou quando ouviu isto. “É verdade. Fomos atacados pelos Braços. A minha unidade teve sorte porque estava na frente e eles vieram por trás. Tivemos todos os avisos.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Espera!, Foi a Voz que nos traiu e atacou. A Voz está morta!” Bradou o Joel.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Pode ter sido. Pode não ter sido. Os mortos não contam histórias e não sabemos a Mão que os liderava.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Agora vais dizer que uma das Mãos joga para o outro lado.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Ouve, amigo. Não estou a dizer nada, mas quando cheira a fumo há fogo. Camaradas mortos, mais Braços no terreno, o que vimos na televisão e a recompensa pela Frederica.” Tirou o maço amolgado do bolso e puxou de outro cigarro com os lábios. Raspou um fósforo e aproximou-se da pequena chama confortável. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Parece que voltámos à idade média. E o teu amigo parece que sabe alguma coisa.” Sacudiu o fósforo até à escuridão e deixou-o no chão. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Havia aqui um dilema: as espadas estavam no chão do carro, mas tinha a navalha no bolso traseiro das calças. E tinha um braço chocho. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não fui eu que ouvi. Foi a minha Ana. Algo sobre saber da Frederica.” E o tipo parecia nem dar conta dos movimentos demorados do Joel. Falava com uma casualidade como se não dissesse nada de mal. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não” corrigiu o Joel. “Não acho que tenha dito isso. Foi do choque de ver a miúda a morrer.” Os dedos a penetrarem lentamente na boca do bolso. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Foi horrível, eu sei, mas ela tem quase a certeza do que ouviu. A moça tem ouvidos de tísica.” A ponta dos dedos a sentirem o frio do cabo. “Ouve, eu sei: é teu amigo, mas imagina a pipa de massa que íamos ganhar.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Chupou o cigarro com excitação e engoliu o fumo ao sorrir. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Podíamos ajudar muitos camaradas iguais a nós!” </div>
<div style="text-align: justify;">
E a ideia até que era interessante... Uma que já lhe tinha passado pelos olhos, mas não desta forma. </div>
<div style="text-align: justify;">
E agora falou ele, “Deixa ver se entendi: achas que o Império nos traiu, mas queres receber dinheiro desse mesmo Império?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Um homem tem de comer. E uma mulher! Ela come bastante.” Cuspiu uma bola de saliva para o chão e a cinza soltou-se para as calças. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não, assim não. Obrigado pela ajuda, continuamos a pé.” Preparou-se para regressar quando ouviu o outro a esmagar a beata. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não sejas assim! Pensa bem. Pensa na tua mãe!” </div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo sentiu os dedos gelados do camarada, do soldado morto, do Mário no ombro e foi como se o gelo se propagasse no seu ser. Puxou a mão para fora e fez a lâmina disparar do cabo para o ar da noite, para o pescoço do outro homem. Resistiu a entrar, mas foi até ao fundo e tirou-a. </div>
<div style="text-align: justify;">
O sangue espirrou num arco e jorrou pelo pescoço, por dentro e por fora da roupa. O homem estava a tentar falar, mas os sons que lhe saíam eram grunhidos misturados com bocados de palavras soltas. Abria e fechava a boca como um peixe a engolir ar. </div>
<div style="text-align: justify;">
Cambaleou e tropeçou quando tentou apanhar o Joel. Primeiro de joelhos e depois de cara ao chão com um <i>crac </i>de algo que não devia estalar. Uma poça negra alastrou-se do pescoço e o homem que terminou o Mário, deu um salto tosco para longe e acelerou para os carros. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A Ana cotovelou o Bernardo para acordar, mas algo estava errado quando só viu o Joel a regressar. Não saiu do carro, mas repetiu os seus pensamentos ao Bernardo que reparou na expressão do outro. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Tudo bem?” Mandou-lhe. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas o Joel ignorou e foi directo à carrinha buscar a mochila e o rolo de espadas. Galgou a distância até ao carro onde estavam e atirou com tudo para o banco de trás. E com a expressão dura, lábios chupados e olhar vazio, rodeou o carro até ela. Puxou a porta e pediu-lhe para sair. </div>
<div style="text-align: justify;">
Ninguém lá dentro entendia o que se passava, apenas olharam para a cabeça careca, mal iluminada pelo carro e pela lua. Pediu-lhe de novo para sair, mas com mais autoridade e quando ela perguntou pelo namorado, o Joel puxou-a pelo ombro e atirou-a ao chão. </div>
<div style="text-align: justify;">
Entrou no carro e quando viu as chaves na ignição, ligou o carro e acelerou para a estrada, deixando a mulher a berrar no retrovisor. </div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-58603283364220367882019-10-15T22:05:00.001+01:002019-10-15T22:05:22.991+01:00WRITOBER | 2019 | QUINZEFast Car<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-HKhKsd4B-1g/XaY0gRYJBAI/AAAAAAAAUaU/ycUcKifo55IG46yViZjMLt_iS4fN_7nKgCLcBGAsYHQ/s1600/15_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="330" data-original-width="450" height="234" src="https://1.bp.blogspot.com/-HKhKsd4B-1g/XaY0gRYJBAI/AAAAAAAAUaU/ycUcKifo55IG46yViZjMLt_iS4fN_7nKgCLcBGAsYHQ/s320/15_10_2019.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não havia vivalma na estrada e a única carrinha cortava a noite. </div>
<div style="text-align: justify;">
O condutor seguia tenso e colado ao volante, enquanto o outro vinha a sintonizar a rádio. Procurava alguma emissão sobre a execução de há horas, alguma coisa que fizesse sentido ou só música. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Joel não tinha dito mais nada desde a estação e o Bernardo não puxou o fio. E ainda há horas achava que este mundo era porreiro, mas, bem, o porreiro tinha levado um chuto no cu quando a televisão exibiu a execução de uma família. E o povo a celebrar. </div>
<div style="text-align: justify;">
Já no seu, as pessoas também adoravam uma boa execução em praças. Havia coisas que não mudavam. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Se calhar não ouviram nada” falou o condutor pela primeira vez em quilómetros. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Achas?” O outro estava um nada preocupado por osmose. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Acho. Acho. Tu viste-os colados à televisão, Bernardo.” </div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Aham</i>, acenou sem resposta. Não tinha a certeza. Às tantas, o velho ouviu-lhe os guinchos histéricos; ou o casal; ou o empregado. Qualquer um deles iria botar as mãos à recompensada. </div>
<div style="text-align: justify;">
<i>É ela, é ela. Conheço-a! Mas que raio, meu! Estúpido, estúpido. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Estúpido.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Então?” Estava a sorrir mais relaxado. Olhou para o amigo e regressou à estrada. “Estamos longe. E mesmo que tenham ligado, vê lá, não têm nomes nem nada.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Viram a carrinha...” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Muitas Marias...” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Ouve, o velho estava com uma erecção imperial; os putos com uma para se comerem e o dono estava excitado com os ovos. O que é que sabem eles?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Joel? O que aconteceu?” </div>
<div style="text-align: justify;">
O soldado suspirou. Não conseguia acertar na emoção e saltava de exasperado para pensativo, e bufava. Mordeu os lábios e pensou mais um bocado. Queria responder com honestidade ao amigo, mas a honra e o dever proibiam-no. Estaria a trair o Império... mas, o Império tinha-se adiantado. E tentou explicar-lhe o melhor que podia: </div>
<div style="text-align: justify;">
“As minhas guerras começam pelo que aconteceu na televisão, entendes? As pessoas pensam demasiado, conspiram, traem e acabam mortas.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Tomou o fôlego, enchendo o peito e pegou no discurso. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Aquilo foi uma mensagem à tua amiga. A Cabeça tem de ter a Frederica, Bernardo. E o que a Cabeça quer, a cabeça tem. A mensagem foi para os últimos Da Assunção, mas somos nós, os Braços, as Pernas e os Pés que a vão entregar. E isto não vai acabar por aqui...” </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga... </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O condutor olhou-o como uma mola e para a estrada. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Hã?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Nada... Ouve, eu tenho de ser honesto contigo. Não entendo nada do que disseste. De cabeças, braços, pernas e pés. A Frederica... A Frederica dizia o mesmo, mas estou tão perdido, meu...” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Como assim? Bateste com a cabeça?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não, pá. Eu...” Contar à Frederica tinha sido tão fácil pelo simples facto de ela ter visto em primeira mão. Contar a um soldado experiente e fixo em ideias? Complicado... “Eu não sou de cá.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“E?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Eu vim de outro mundo.” Abriu a mala e cavou pelos bens para encontrar o telemóvel. “Sabes o que é isto?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não faço ideia...” o carro começou a abrandar. “Algum rádio? És algum espião?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não, porra!” O condutor estremeceu. “Vim de outro mundo! Havia uma porta no meu, em São Salvador. Abri e vim dar aqui. A Salvador! E foi quando vi a Frederica.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“A Frederica Da Assunção em Salvador?!” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim! Foi emboscada por braços e por uma Taisa.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Com um caraças, amigo! A primeira coisa que fazes é tramar a vida à Porcelana Branca! E já percebi o mergulho quando viste o dirigível.” Estava a rir, mas um riso alto e forte e natural. Havia pequenas flores húmidas nos olhos do Joel e era a primeira vez que o via a rir assim. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo imitou por contágio. Ou estavam a ficar malucos ou aquilo tinha uma piada do catano. A primeira coisa que fez foi foder com o Império. </div>
<div style="text-align: justify;">
Estavam cada vez a andar mais devagar. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Joel, o Império é bom ou mau?” </div>
<div style="text-align: justify;">
O condutor encolheu os ombros, “Só quero ser pago.” </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A carrinha travou bruscamente e começou a soluçar. Arrancou aos soluços e voltou a parar, deslizando sem forças e virando para a berma. E morreu. As luzes aguentaram uns segundos, mas a noite devorou-as e deixou-os na escuridão. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Merda,” O Joel resmungou e esmurrou o volante. “Merda!” </div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo derreteu no banco, abraçado à mala e ao telemóvel. Apenas se ouvia as duas respirações. </div>
<div style="text-align: justify;">
O bafo branco a escapar-lhe dos lábios como fantasmas. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>O Império é bom? O Império é mau? Só quero ser pago... </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Passaram-se horas ou só minutos. No escuro, o tempo não tem forma. Mas passou-se algum tempo até aparecer alguém. </div>
<div style="text-align: justify;">
O Joel foi o primeiro a acordar com as rodas a pisar a terra. Acordou o outro e fez-lhe sinal para não se mexer. </div>
<div style="text-align: justify;">
Tirou a espada do chão e deslizou pela porta, escondendo-a nas costas. </div>
<div style="text-align: justify;">
Os faróis no máximo não deixavam ver para dentro do condutor, mas o Joel avançou com o instinto militar. Braço à frente dos olhos e arma escondida. A luz desapareceu e as duas portas abriram. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Estão bem?” Perguntou o rapaz que estava na estação de serviço. A companheira meteu-se atrás dele. “Precisam de ajuda?” </div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-6132547609773270182019-10-14T22:02:00.000+01:002019-10-14T22:02:57.850+01:00WRITOBER | 2019 | CATORZE<div style="text-align: justify;">
Menina e Moça</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-ioTJpnv92Kw/XaTibtKK28I/AAAAAAAAUZk/dZtKM0YCfHs7n012P92tI6gAIei4hg9wwCLcBGAsYHQ/s1600/14_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="394" data-original-width="754" height="167" src="https://1.bp.blogspot.com/-ioTJpnv92Kw/XaTibtKK28I/AAAAAAAAUZk/dZtKM0YCfHs7n012P92tI6gAIei4hg9wwCLcBGAsYHQ/s320/14_10_2019.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Esta Lisboa não estranha para a Porcelana Branca. </div>
<div style="text-align: justify;">
As ruas e ruelas, os cantos e recantos e os melhores sítios para molhar o bico. </div>
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Tinha casa na capital, um feito que a deixaria a mendigar no outro lado, mas que agora lhe dava jeito para despir a armadura alva e deixar a lenda espalhada no chão do quarto. </div>
<div style="text-align: justify;">
Deixou tudo com a criada, inclusive o pagamento e um sorriso e saiu para a rua. Não se sentia despida sem a armadura, mas usar uma roupa com as cores que queria dava-lhe outro poder. Os lábios escuros; o cabelo em trança, caído por cima da camisola curta; um casaco de cabedal a rematar e calças de ganga. Apesar de os pés pedirem misericórdia, não dispensava das botas, com uma surpresa escondida no cano. Carteira, chaves e, claro, escudos para estoirar em álcool. </div>
<div style="text-align: justify;">
Caminhou apressada, mas em paz pelas ruas iluminadas, grupos ébrios e felizes e a celebrar o espectáculo da tarde. Cruzou-se com sombras e sussurros de outros que a amaldiçoavam, mas agora não estava a trabalhar e não era com ela. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Enfiou-se por um beco sem nome e tomou a primeira porta. Abriu a madeira pesada, entornando a luz artificial pela calçada e desapareceu. </div>
<div style="text-align: justify;">
Sempre que vinha a Lisboa, era ali que ia para um jarro de cerveja e sangria. Às vezes ao mesmo tempo para correr mal. As pessoas conheciam-na ali, mas não lhe dirigiam a palavra com medo de dizerem a coisa errada e acabarem na outra ponta da navalha. Então calaram-se quando ela passou pelas suas mesas e ela devolveu a mesma recepção. Sentou-se ao balcão e chamou o emprego que deslizou para a General Taisa que, na verdade, nem era o nome verdadeiro dela. Mas da boca dela ninguém iria saber a verdade. Se uns desbobinam bêbados, ela era um túmulo. </div>
<div style="text-align: justify;">
Sorriu ao senhor de há anos e pediu o costume com um prato de moelas a acompanhar. Em menos de dez minutos já estava servida e a rotina no tasco decorria com normalidade. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pouco depois, a porta abriu-se e um rapaz de cabelo negro despenteado e sorriso fácil entrou. As pessoas também o conheciam e deram-lhe o mesmo tratamento da Porcelana Branca. Acenou-lhes e foi-se sentar no banco livre junto à colega. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Pata de Coelho, já passa da tua hora de dormir...” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Caramba, muito gostam das vossas alcunhas!” Chamou o empregado e pediu um Porto. </div>
<div style="text-align: justify;">
“É porque dás sorte, colega. Devias estar orgulhoso.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Sim, sim, deixa-te de tretas.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Ela levou o copo de cerveja aos lábios e bebeu até lhe faltar o ar. O companheiro recebeu o copo e bebeu mais delicadamente para prolongar. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Que achaste de hoje?” Perguntou. </div>
<div style="text-align: justify;">
Ela bateu com o copo na mesa, deixando o bafo gelado daquela ronda sair da sua pessoa. Olhou para o pulso despido, “Já passa da minha hora de serviço. Pergunta-me amanhã, tá?” </div>
<div style="text-align: justify;">
Deu uma garfada e deixou o rapaz a olhar impávido. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Se continuas a comer assim, estragas a tua reputação.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não estou a trabalhar, o que é que queres?” Ripostou a mastigar, um fio de molho a surgir-lhe aos lábios que ela limpou logo. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Taisa, fomos os únicos lá. Com os outros fora, achei que pudéssemos falar um pouco” deu um gole na sua bebida e continuou depois de lamber os lábios, “e se me perguntasses o que achei, diria que foi escusado.” Terminou muito baixo, matreiro. </div>
<div style="text-align: justify;">
Não tinham receio que os ouvissem. Ali no tasco eram cegos, surdos e mudos e as pernas tinham corda para abandonar as mesas da vizinhança. </div>
<div style="text-align: justify;">
E com isso, a Taisa olhou-o nos olhos. Sem cerveja, sem moelas. Apenas o olhar de uma mulher no limiar da paciência. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Quase que a tinha, Xavier. Entendes isso?” O jarro estava quase vazio e os vários anéis brancos escorriam para o fundo. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Os Braços tinham-na... e depois sumiu. E tu sabes que ninguém lhes foge.” A Pata de Coelho acenou em afirmação. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Agora temos uma caça ao homem” comentou a Porcelana Branca. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Uma caça ao homem.” Repetiu o outro. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Passaram meses! Sei lá onda anda...” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Isso é fácil. Está com o tio.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Falas a sério?” Perguntou com o bocado de pão ensopado a meio caminho da boca. “E ele vai avançar?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Depois de hoje? Silenciámos a Voz, a esposa da Voz e os filhos da Voz. Não esperaria outra coisa.” Acenou ao emprego para encher o jarro à colega. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Mais alguém sabe disto?” </div>
<div style="text-align: justify;">
O silêncio dele foi resposta suficiente. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Vou fazer-te a vontade, cara Porcelana: estou com um bom pressentimento acerca disto e acho que vamos ter sorte.” Levantou-se do banco e deixo cinco contos ao balcão. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Agora sim, está na hora de dormir. Voltei a encher-te o depósito e despeço-me assim.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Xavier,” chamou-o antes de sair pela porta. O homem virou-se a sorrir. “Nada, boa noite.” </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E quando a bebida terminou e o prato lambido. A Tasia apressou-se para casa, tropeçando nos pés numa espécie de teatrinho para as massas noctívagas. As celebrações continuavam e as sombras acercavam-se. Lisboa menina e moça era uma panela de pressão no ponto. </div>
<div style="text-align: justify;">
Chegou à casa escura sem criada e encarou a armadura branca montada no expositor, branca e a reluzir. </div>
<div style="text-align: justify;">
Havia uma coisa que queria perguntar ao Xavier, à Pata de Coelho... Havia um dizer no mundo dela que dizia: não deixes que a mão esquerda saiba o que faz a direita. Ela estava a jogar o seu jogo, e ele também... </div>
<div style="text-align: justify;">
Deitada no sofá, com o casaco a apertar, tirou de um telemóvel concha do bolso. </div>
<div style="text-align: justify;">
Ligou-o. Meteu o PIN e apareceu o papel de parede, uma mulher de cabelo vermelho rodeada de fogo. Pousava de forma imponente e inspiradora, com aquele sorrio de <i>nós conseguimos!</i> Taisa. </div>
<div style="text-align: justify;">
Abriu as mensagens e havia bastantes por ler, todas recebidas há meses quando a Frederica Da Assunção desapareceu pela porta aberta. </div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-52888720291770204322019-10-13T15:54:00.001+01:002019-10-13T22:25:08.305+01:00WRITOBER | 2019 | TREZEAficionados<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-GdBPRNOc7Xc/XaM6mLgpIvI/AAAAAAAAUYc/RhUeXQFhRawRdJn110WE-OdcEglSq0MnwCLcBGAsYHQ/s1600/13_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="375" data-original-width="563" height="213" src="https://1.bp.blogspot.com/-GdBPRNOc7Xc/XaM6mLgpIvI/AAAAAAAAUYc/RhUeXQFhRawRdJn110WE-OdcEglSq0MnwCLcBGAsYHQ/s320/13_10_2019.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nem era muito tarde para a pouca afluência da Corda ao Sapato, a estação de serviço à saída de Coimbra. Pelo menos outra coisa era igual ao seu mundo, os nomes parvos e os trocadilhos à Portugal.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Amigos, o que vai ser?” Saudou o empregado ao ver os rapazes a passar pela porta. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Boas, o que tem por aí?” O Joel foi o primeiro a cumprimentá-lo, O Bernardo só acenou. Outro casal estava sentado ao fundo da sala a conversar, mas interromperam por segundos para os ver a chegar; havia um velho sozinho a ler o periódico e outra família a comer de pratos bem servidos. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Então, temos sandes de ovo, ovos mexidos, ovos cozidos, ovos escalfados, podemos estrelar uns ovos, omelete...” continuou. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Pergunta-lhe se tem algo com ovos” troçou o Bernardo. “Arranja-me uma bifana e uma cerveja.” Apalpou os bolsos para sentir a memória distante de trocos perdidos. “Depois pago-te."</div>
<div style="text-align: justify;">
“Não me deixes esquecer, mas acho que ainda tenho uns mil escudos comigo.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Avançou para o balcão que ainda enumerava todas as iguarias de ovo, agora nas sobremesas. Devia mudar o nome ao estaminé... </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo sentou-se numa mesa livre, à janela, que dava para ver a carrinha parada. Outros carros estavam à vista e as poucas árvores começavam a dançar com o vento que levantava. </div>
<div style="text-align: justify;">
Encontrou a televisão ligada para uma multidão, sem poder ouvir o que se passava. E não demorou até reconhecer a Praça do Comércio pelos seus detalhes bruscos e pelo D. José I a cavalgar por cima da turba. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Chefe, meta mais alto!” pediu a voz do velhote. </div>
<div style="text-align: justify;">
Sem dar conta do amigo a sentar-se, o Bernardo já estava colado ao evento em Lisboa. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Olha-me só para as pessoas, estão loucas, Simião! </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Bem o podes dizer, estão à espera há horas. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Ainda bem que está fresco ou teríamos outra revolta em mãos, Augusto. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
As duas vozes sem dono riram-se um daqueles risos falsos e continuaram a comentar a afluência à praça. A câmara focou os dois palcos, com vista para o rio. Um com cadeiras viradas para o público e outro vazio. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Parece que estão a chegar, Augusto. A Ilustre e Venerável Família Real. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>O nosso Amado Imperador, Sebastião II. A Cabeça erguida do Império. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Alguém fungou. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Fico sempre emocionado quando o vejo, Augusto. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>É um orgulho ser seu contemporâneo. Não podia pedir melhor tempo para viver. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>A sua esposa Raquel. Bela como a primeira manhã de um novo ano, como o nascimento de uma nova vida, tomou a mão do nosso Imperador para saudar todos os Pés e as Pernas que vieram assistir a este maravilhoso evento. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Os filhos, Simião: Francisco, Sebastião III, Anabela, Carlota. Todos magníficos e fontes de esperança para um Portugal próspero. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Sabes, Simião. Já tive a oportunidade e o privilégio de conversar com o Francisco. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>A sério, Augusto? Tens de nos contar tudo!</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Um dia destes, um dia destes, meu caro. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Olha, as Mãos. A General Taisa, a Porcelana Branca. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>A estrangeira... </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Então, Simião. Não sejas assim! Olha, o Vasco, A Pata de Coelho. Se está aqui, quer dizer que tudo vai correr bem! </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Só as duas Mãos? Estávamos à espera de mais. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>As outras Mãos estão longe a servir o Império, Simião. O Sol da Meia-Noite, A Queimada e O Lacrau. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Augusto, se tudo correr bem hoje. Será uma vitória decisiva para o Império e teremos as Mãos de volta...</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E enquanto a câmara aérea pairava pela praça, focando as caras jubilantes dos lisboetas, um grupo de Braços subiu ao palco vazio. Vieram todos de branco, aos pares e caminhavam como crianças com frio, a tremer. Havia algo não natural na sua presença e com a cara coberta, a força do império comandava autoridade.</div>
<div style="text-align: justify;">
Então subiram aos pares, com os da dianteira a carregar uma caixa de madeira. </div>
<div style="text-align: justify;">
A câmara focou a caixa. Era uma arca de madeira polida, pesada pela forma como os Braços vinham a andar. Os outros seguiram-nos e dispuseram-se virados para o público que os saudou com urros e vivas. </div>
<div style="text-align: justify;">
Os Braços seguintes vinham a acompanhar um homem bonacheirão, uma mulher, dois homens adolescentes e uma menina. Estavam bem vestidos em contraste com os filmados na praça, mas vinham descuidados e por pentear e com um olhar duro e a tremer. A câmara afastou-se para apanhar a família a ser empurrada para a frente dos Braços, o público a berrar, a praguejar e a chamar de tudo e mais alguma coisa. Os dois comentadores gozavam e riam e incitavam aos espectadores a fazer o mesmo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Nem quero acreditar que entrevistei aquele Umberto Da Assunção. Homem asqueroso. Horrível, Simião. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Meu querido, Augusto. Nem quero imaginar a dor horrível que sentiste, mas já vai passar, já vai passar. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Como ousa esse Umberto de ir contra o Império que tanto lhe deu? </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Eleições? Escolhermos o nosso líder? </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Simião e todos os que nos vêem, nós podemos escolher o que vestir e o que comer, não quem amamos. Não escolhemos amar o nosso querido Imperador, nascemos para o amar! </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Um Braço abriu a caixa e revelou uma lâmina. Não muito curta, mas também não muito longa a ponto de ser um sabre. Passou a lâmina ao Braço próximo que a foi passando até cinco estarem munidos com as armas da arca. </div>
<div style="text-align: justify;">
O homem a quem chamaram de Umberto clamava ao público, mas não se percebia o que dizia porque as pessoas falavam mais alto e agitavam as bandeiras do Império nas cabeças dos outros. Saltavam e dançavam como num concerto. </div>
<div style="text-align: justify;">
Os Braços dispostos em fila forçaram a família a cair de joelhos, menos a criança que pôde ficar de pé - começou a chorar e um dos jovens deu-lhe a mão. A mãe implorava de braços esticados para a filha, mas um dos Braços forçou-a quieta. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Vai começar, Simião. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Nunca pensei que este momento chegasse, Augusto. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Pena que a filha mais velha tenha escapado. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Tivemos a Frederica nas mãos!, mas alguém ajudou-a a escapar. Se alguém em casa tiver informações acerca do seu paradeiro ou dos seus cúmplices, entre em contacto com as autoridades e será recompensado para lá dos seus sonhos.</i><br />
<i><br /></i>
Uma foto familiar surgiu no canto do ecrã. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“É ela! Joel, eu vi-a em Salvador!” exclamou o Bernardo para o amigo soldado que não arredava a atenção da emissão. </div>
<div style="text-align: justify;">
“São os pais dela? Joel, o que vai acontecer?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Deixa-me ouvir, pá!” respondeu ríspido e o outro calou-se. Todos na estação estavam colados em frente à televisão. O velho esfregava as mãos e sorria que nem um pervertido; o casal via calado sem expressão e o empregado, com as mãos no avental, tinha-se esquecido dos ovos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Cinco Braços avançaram para trás da família Da Assunção. Uma mão puxou-lhes o cabelo e a cabeça para trás e olharam para a família real e para Sebastião II que acenou solenemente. </div>
<div style="text-align: justify;">
Foi rápido e misericordioso para os traidores do Império: a lâmina roçou o pescoço e um jacto de sangue espirrou para os ares da praça. </div>
<div style="text-align: justify;">
O silêncio ansioso durou segundos até registarem o que tinham acontecido, depois a multidão explodiu em aplausos. </div>
<div style="text-align: justify;">
Os Braços ainda tinham as cabeças nas mãos, os olhos revirar para a cabeça, o babete de sangue a espargir pelas roupas e um dos jovens com forças para levar as mãos ao golpe e a tentar estancar o sangue. </div>
<div style="text-align: justify;">
A menina foi erguida em bicos de pés, fazendo com que o sangue fluísse mais rápido. Tinha sido a primeira a ir e caiu no palco, com as perninhas a adejar. Ela que não tinha idade para pensar em políticas, golpes de estado ou reformas e que só queria brincar, estudar e talvez aprender a desenhar. Ela era a irmã mais nova da Frederica que estava algures e sozinha no mundo, a ver a família a apagar-se em directo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Joel agarrou na mão do Bernardo e puxou-o da mesa. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Eu vi-a. Temos de voltar, Joel!” repetiu inconsciente de que o estavam a ouvir. Foi arrastado pelo estacionamento e contra o carro. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Entra. Já!” </div>
<div style="text-align: justify;">
O Bernardo enfiou-se no carro em silêncio e aguardou que o outro desse a volta. Nisto, a realidade caiu e a bifana subiu-lhe à boca. </div>
<div style="text-align: justify;">
A porta do condutor bateu e ele deu à chave. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Fodasse, Bernardo. Se alguém te ouviu, vão-te reportar. Se vierem atrás de ti, vêm atrás de mim.... E eu não posso morrer duas vezes...”</div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-78467814478953396462019-10-12T22:27:00.002+01:002019-10-12T22:27:38.946+01:00WRITOBER | 2019 | DOZEVida de Estrada<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-LfZHzy49wN8/XaJFM9gv5hI/AAAAAAAAUX8/z3PowwIb2QUwtZFNkuY4rD69xqGADqavgCLcBGAsYHQ/s1600/12_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="531" data-original-width="531" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-LfZHzy49wN8/XaJFM9gv5hI/AAAAAAAAUX8/z3PowwIb2QUwtZFNkuY4rD69xqGADqavgCLcBGAsYHQ/s320/12_10_2019.jpg" width="320" /></a></div>
Os rapazes deram à anca e sacudiram as mangueiras daquela mija demorada. Riam à parva porque tiveram a bela ideia de competir a distância, com o Bernardo a vencer (e porque tinha bebido muito mais da litrosa que trouxeram do café)<br />
<br />
A vida de estrada corria bem por ali: o Joel vinha a cantar ao volante e puxava pelo companheiro. A música também lhe era familiar e apesar de não decorar letra alguma, sabia que era dos Diabo na Cruz e que já os tinha visto ao vivo. <br />
Estava a gostar daquele mundo. Até agora, a comida e a música eram iguais, mas havia diferenças gritantes: Primeiro, em horas de viagem só viram dois carros. Quando questionou o amigo, a resposta até fora simples: não havia necessidade. Não trabalhas, não te dão um carro. Quem quiser viajar, vai de comboio ou dirigível que são baratos e chegam a todo o lado.<br />
E aquela informação só veio empilhar ao que não sabia daquele mundo. Mais os braços, as mãos e o pânico da Frederica sobre a política do mundo do Bernardo, mas as peças juntavam-se aos poucos. <br />
Aquela versão de Portugal vivia num império, mas não estavam no passado, até aí era óbvio. Até tinha medo de perguntar pelo ano, não fosse dar nas vistas que não era dali. Mais, Salvador não tinha o São no nome, mas as duas eram semelhantes em casas e pessoas. E uma não tinha aberrações de piscinas e casas de emigrantes.<br />
Na casa da mãe não havia televisão. Havia um telefone, mas não viu ninguém com telemóveis. Nem no café. Por essa razão, manteve o seu escondido.<br />
Iam para uma Lisboa com nobres e universidades e o Joel não se calava com isso porque falava como a sua mãe. Só não falou da sua guerra, onde combateu, contra quem combateu e porque mentiram sobre a sua morte, mas no mundo de Bernardo, este vira muitos filmes...<br />
<br />
"Estamos a chegar a uma estação de serviço. Paramos?” O Bernardo apontou para um sinal.<br />
“Por mim. Bebia um café que nem te conto” respondeu o outro. “Ainda caio aqui.”<br />
O passageiro ajeitou-se no banco e roçou os pés nas armas no chão. <br />
Do nada, todas as preocupações regressaram como nuvens negras prenhas de chuva. Primeiro, uma gota de aviso, ele estava longe de casa; a segunda, tinha de ir a Lisboa; a terceira, encontrar o homem dos livros e mostrar o anel azul. Voltar para casa e para o irmão antes de apanhar uma molha.<br />
Mas quando se virou para o condutor, não viu a chuva, mas uma daquelas pessoas na rua que sorri e ri e acena, mas que esconde uma tormenta por detrás dos olhos.<br />
Quis aproximar-se, fazê-lo falar sobre o que sentia, mas não tinha boca e só queria gritar para acordar.<br />
<br />
A estação de serviço surgiu na próxima curva e a carrinha virou para o parque quase vazio. Havia pessoas a sair, uma família de três. A criança saltava nas mãos dos pais como um balão preso e ria muito alto.<br />
Os dois, o soldado e o rapaz do outro mundo, desceram da carrinha para a gravilha do parque e o Bernardo sentiu o chão a fugir-lhe debaixo da sola. O Joel puxou de uma espada e fixou-a ao cinto.<br />
“Não pode entrar com isso!” sussurrou o Bernardo, a tentar não levantar a voz.<br />
O Joel parecia confuso com o que o outro disse, mas não ligou. Apertou o cinto e liderou o caminho. <br />
A outra família cruzou-se com os rapazes e o Bernardo reparou na arma que o pai trazia atrás. Naquele mundo, aquilo era normal...<br />
“Esperamos problemas?” Perguntou quando alcançou o Joel.<br />
“Sempre” respondeu animado. Empurrou a porta da estação e entraram os dois.<br />
Ao menos o café sabia ao mesmo.André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-70998944807940651662019-10-11T22:38:00.000+01:002019-10-11T22:38:03.576+01:00WRITOBER | 2019 | ONZEAi Destino<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-1H4OG6FTZTA/XaD2FoxyiyI/AAAAAAAAUWg/qnplMZhu2iYEHP76YRthpUTkEP4oDLS5wCLcBGAsYHQ/s1600/11_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="704" data-original-width="564" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-1H4OG6FTZTA/XaD2FoxyiyI/AAAAAAAAUWg/qnplMZhu2iYEHP76YRthpUTkEP4oDLS5wCLcBGAsYHQ/s320/11_10_2019.jpg" width="256" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
O Joel não estava para muitas conversas. </div>
<div style="text-align: justify;">
Atirou com a mala de lona para a caixa da carrinha e voltou a casa. O Bernardo imitou-o outro, e ficou encostado à carrinha da mãe. A manhã estava no fim, tinham descansado bem e os rapazes estavam carregados de força e motivação, mas não de disposição. </div>
<div style="text-align: justify;">
O jantar e a noite tinham corrido “bem”. Estava mais aliviado porque o rancho deste mundo era igual ao do seu, mesmo requentado do dia anterior. Comeu bem, bebeu ainda melhor, e a Laurinda era uma senhora! E falava, e falava, e tudo o que dizia não se desperdiçava. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas a conversa não tinha corrido bem ao novo amigo: acontece que ele e a Vera estavam noivos e para casar, mas quis o destino sádico que ele “morresse” em combate. </div>
<div style="text-align: justify;">
O problema é que ele estava bem vivo e a jantar restos na sua casa, a ouvir a sua mãe na sua cozinha – se não tinha morrido, talvez não passasse dessa noite. </div>
<div style="text-align: justify;">
“O teu pai continuou a beber e desapareceu. Eu continuei a trabalhar e cá estamos, mas a pobre Vera chorou-se toda a ponto de quase cegar, coitada” contou entre colheradas. Bebeu o resto do copo de vinho. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Ela tinha-te tanto no coração, filho. Um dia veio cá a casa e comemos as duas. Pediu-me tantas desculpas, mas tanto te chorou que um dia acordou e tomou uma decisão.” </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>A vida continua em frente. Nunca para trás, dona Laurinda.</i> </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Decidiu ir para Lisboa.” </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Quero estudar música. Quero dar alegria às pessoas que a perderam. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Pediu a minha bênção que não era minha para lha dar, mas dei-la. Chorámos as duas e saiu livre desta casa. O teu pai bebeu-se livre, a Verinha foi-se educar livre e eu fiquei pelos que partiram.” De novo, a senhora gigante e forte que ergueu um soldado no ar parecia mirrar com as palavras. </div>
<div style="text-align: justify;">
E quis o destino sádico que um grupo musical visitasse Salvador pelas vindimas. Com ele, veio um jovem engraçado que se enamorou da Verinha. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não sei se ela lhe achou piada, mas quando o grupo se foi, a Vera desapareceu. Malas e guitarra.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Descansou os olhos com um sorriso. Estaria a pensar no baile? Na moça ou no “Se” se tivessem casado? Teria a noção que cada palavra sua dilacerava a carne do soldado que vira todo o tipo de violência e morte? Vale tudo na guerra e no amor. </div>
<div style="text-align: justify;">
Nessa noite, o Bernardo viu-se a dormir no chão, no quarto do Joel. Ouviu-o a soluçar muito baixinho quando pensava que era o único acordado. Adormeceu a olhar para uma foto pendurada de um casal e voltou a outro dia e a outro quadro a preto e branco. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas nessa manhã, o Joel voltou à porta com um rolo de lona debaixo do braço. Abriu a porta do passageiro e escondeu-o sob o banco. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Que é isso?” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Defesa” respondeu com metade de um sorriso ferido. </div>
<div style="text-align: justify;">
Puxou do embrulho e tirou uma bainha. O punho rudimentar estava enfaixado com cabedal e uma lâmina cresceu da guarda – nada era espectacular dali, mas para o rapaz que nunca empunhara uma, aquilo era surreal. O amigo careca sacudiu a espada no ar, separando-o em vazios que se juntaram logo. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Não sabemos quem vamos encontrar pelo caminho.” </div>
<div style="text-align: justify;">
“Esperas problemas?” Uma serpente ansiosa deslizou-lhe pela espinha quando olhou para a segunda espada e sabia ser sua. </div>
<div style="text-align: justify;">
“Estamos em guerra, amigo. Prevenção.” </div>
<div style="text-align: justify;">
Podia concordar com isso: havia uma guerra algures naquele mundo. O Joel tinha morrido em combate e o Bernardo não existia. Dois espectros que não tinham razão para ali estar, mas que se acomodavam numa carrinha de caixa aberta e arrancavam para Lisboa. </div>
<div style="text-align: justify;">
Um ia em busca do homem dos livros e a única pista era um anel azul; o outro ia em busca da sua amada e surpreendê-la com a sua vida. </div>
<div style="text-align: justify;">
Não há duas sem três e quis o destino sádico tocar a sua melodia. Agora todos iam dançar. </div>
<div style="text-align: justify;">
A carrinha pegou e descereu a rua escura; passou pelo café e pelo pelourinho e deixou Salvador para trás. </div>
<div style="text-align: justify;">
O soldado tirou o braço do lenço e assentou-o na mudança. O Bernardo não conduzia e não era neste mundo que ia começar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ajeitou-se no banco, e sentiu as espadas com o pé. A serpente da ansiedade sibilou-lhe ao ouvido. </div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-24772463930702845432019-10-10T21:48:00.000+01:002019-10-10T21:48:02.913+01:00WRITOBER | 2019 | DEZBroa e Vinho<div>
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-cp9lsOV0ZNA/XZ-Y1BzLZ5I/AAAAAAAAUVs/3GT1Fa_nwH0MJ8TbXF2RDDRbsocNUqBYgCLcBGAsYHQ/s1600/10_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="376" data-original-width="563" height="213" src="https://1.bp.blogspot.com/-cp9lsOV0ZNA/XZ-Y1BzLZ5I/AAAAAAAAUVs/3GT1Fa_nwH0MJ8TbXF2RDDRbsocNUqBYgCLcBGAsYHQ/s320/10_10_2019.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div>
O Joel e o Bernardo entraram em Salvador.<div>
Esta aldeia ficava um nada mais afastada do que a dele; tentou reconhecer as ruelas, mas eram-lhes estranhas e quando passaram pelo café, apenas os velhos a olhar lhe fizeram lembrar do último pequeno-almoço com o Carlos.</div>
<div>
Olhavam e cochichavam e um ou dois caminhou com eles, à distância. Havia um grupo de crianças no pelourinho que se calou quando o soldado de braço ao peito se aproximou. Se olhassem dois segundos para o Bernardo era muito.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
O Joel ainda as chamou, mas fugiram desconfiadas. Ignorou-as e apontou um caminho escuro, para onde iam. Parou em frente a um portão de ferro e desceu para o carreiro que levava a uma casa de pedra, a perder a batalha contra o tempo. Com o braço bom, começou a esburacar uns vazitos e escavou uma chave que sacudiu na farda. Serviu. Rodou. Empurrou a porta para dentro e convidou o outro a entrar.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
"Queres ir a Lisboa e procurar um homem com livros. É isso?" Perguntou o Joel com a broa na mão. "Passas-me a faca?"</div>
<div>
O Bernardo esticou-a com o cabo virado. "Sim" respondeu.</div>
<div>
"Tem nome?" Estudou a faca e a broa e percebeu que talvez não fosse assim tão fácil.</div>
<div>
"Não perguntei..." Era verdade: não perguntou.</div>
<div>
"Corta aí duas fatias, se fazes o favor." Passou a faca e depois a broa. "Assim não vai ser fácil."</div>
<div>
O Bernardo prendeu a broa dura na mesa e serrou duas fatias tortas. Uma para si e a outra para o amigo.</div>
<div>
"Tens de ir a Viseu." Puxou a garrafa de vinho. "Apanhas o dirigível. Ou vais a Aveiro para o comboio."</div>
<div>
Deu a garrafa ao Bernardo que puxou da rolha em segundos. Encheu dois copos e cada um deu um trago.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Nisto, a porta de casa foi disparada contra a parede e uma mulher forte marchou até à cozinha. Com dois braços de tronco, agarrou no colarinho do Joel e levantou-o do chão. Sem cuidado pelo feriado, o copo entornou-se na mesa e a cadeira foi projectada pelo chão. O Bernardo reagiu em sua defesa, mas o rosnar da mulher congelou-o.</div>
<div>
"Tu estás morto!"</div>
<div>
"Não roubámos nada!" Berrou o Bernardo como uma criancinha.</div>
<div>
"Vieram a esta casa! Disseram a mim e a o teu pai que tinhas morrido na merda daquela guerra!"</div>
<div>
Atrás da mulher, o Bernardo não conseguia ler as expressões dos dois, mas adivinhava que algo não batia certo.</div>
<div>
"Olá, mãe."</div>
<div>
Mas a mão não estava com meias medidas e sacudiu o filho para o chão. Se não tinha morrido na guerra, iria morrer ali.</div>
<div>
"Tu não sabes o que fizeram a esta família! O teu pai, ai o teu pai!"</div>
<div>
"O que tem o pai?"</div>
<div>
"O homem bebeu até se borrar todo. Nunca mais o vi!"</div>
<div>
Silêncio na cozinha. A mãe dobrou-se e apanhou o copo que voltou a encher. Deu ao filho no chão e endireitou a cadeira.</div>
<div>
"E tu? Quem és?" Perguntou ao outro quando reparou na sua presença.</div>
<div>
"Bernardo, senhora."</div>
<div>
"Estás morto também? Os teus pais?"</div>
<div>
"Mortos..."</div>
<div>
"Ao menos poupaste-os a estas figuras. Sou a mãe do Joel, Laurinda."</div>
<div>
"Prazer..."</div>
<div>
A figura da senhora era tão imponente que fazia a casa encolher até não sobrar mais nada. Era ela ao centro, o Bernardo encolhido como uma besta amedrontada e o Joel encostado à parede, com um copo de vinho. Não havia um <i>tic toc</i> a preencher o silêncio, apenas as respirações e algum <i>zunzun </i>da rua. A luz trespassava as cortinas e as partículas de um pó antigo dançavam pela casa. Parecia que estava na casa da avó, broa, vinho e tudo. Até que a Laurinda interrompeu o quadro:</div>
<div>
"Tenho de trabalhar porque parece que afinal tenho filho... Jantam cá?"</div>
<div>
Os rapazes entreolharam-se como pequenas crianças e acenaram que sim. A mãe saiu e bateu com a porta.</div>
<div>
Depois voltou a entrar e correu para o filho que se encolheu de medo. Abraçou-o e beijou-lhe a cara, deixando-a quente das lágrimas. Andou para o Bernardo e fez o mesmo, acrescentando que sentia muito pelos pais dele. Apertou-o um bocadinho mais de tempo e soltou-o.</div>
<div>
A mulher forte era mesmo forte, mas naquele segundo parecia mais pequena. Ainda com a face quente e húmida, agradeceu à senhora que fugiu para a porta.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
"Mãe," perguntou o Joel. "Ainda estou para casar?" Levantou-se, fazendo força com o braço bom.</div>
<div>
"Onde anda a Vera?"</div>
<div>
"Oh meu filho... A tua Vera foi-se quando morreste..." e saiu.</div>
</div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-45591961619239738512019-10-09T20:31:00.000+01:002019-10-09T20:31:07.897+01:00WRITOBER | 2019 | NOVE<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-yy8VIvCfu3k/XZ41O4mCs4I/AAAAAAAAUUk/p375VbyBd8chMYiGyy17TmxkxmlRfD1LwCLcBGAsYHQ/s1600/9_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="782" data-original-width="564" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-yy8VIvCfu3k/XZ41O4mCs4I/AAAAAAAAUUk/p375VbyBd8chMYiGyy17TmxkxmlRfD1LwCLcBGAsYHQ/s320/9_10_2019.jpg" width="230" /></a></div>
Mama, I'm Coming Home<br /><br />Podia estar noutra realidade ou mundo paralelo, mas o seu sentido de orientação continuava o mesmo. Não funcionava num mundo, não funcionava no outro. E a aldeia era sempre em frente, para lá das piscinas e dos muros de pedra. <br />Talvez aqui fosse noutro lado. Talvez São Salvador não existisse – a aldeia ou o santo ou qualquer noção de religião. Nah, teria de haver sempre uma religião onde quer que estivesse. As pessoas são demasiado preguiçosas (e covardes) para acreditarem em si ou fazerem o trabalho todo, teriam de rezar a alguém para terem as coisas. Se não a um deus ou a Deus, talvez rezassem a um tamanco para pedirem ajuda para andar. <br />E estava a perder-se na cabeça e no caminho quando surgiram as primeiras casas ao longe. Se não fosse São Salvador, seria outra aldeia. Se havia casas, havia pessoas e indicações para Viseu. Viseu! O Bernardo tinha família em Viseu... E outro pensamento esgueirou-se até ele, será que havia o equivalente de pessoas? Outra família? Outra mãe e irmão? <br />E com isso, não deu conta daquela sombra que o engoliu. <br />Só reparou quando já estava mergulhado na escuridão e olhou para cima para contemplar a nuvem gigante. Mas não era uma nuvem, mas a barriga de uma baleia gigante que o ultrapassou para as casas. <br />Veio calada, mas cantou quando viu as casas. Um som tão alto e repentino que atirou com o rapaz para o chão. Rebolou sobre a mochila, a cobrir a cabeça e a gritar de volta à monstruosidade que se afastava. Depois passou e deixou-o para trás, deitado na terra como um maluquinho. <br />Olhou em frente e começou a entender o que era aquilo. Não era baleia nenhuma!, mas já os tinha visto em livros de História ou em Steampunk. <br /><br /><div>
Mas antes de passar as palavras da cabeça para a boca, alguém deu-lhe um chuto na perna. <br />“O que raio andaste a beber, moço?” <br />O Bernardo olhou para cima e viu um careca a olhar para baixo. Trazia o braço ao peito e um saco de lona no outro ombro; estava enfiado numa farda um número acima do dele e trazia o nome RIBEIRO ao peito. <br />Deixou o saco escorregar e estendeu-lhe o braço, e a mão aberta. <br />“Upa, vamos meter-te em pé.” Mas o Bernardo ainda estava fixado no dirigível que sobrevoava as casas, cobrindo-as com a sua sombra de baleia voadora. <br />“E nem é dos maiores! Anda lá, tenho a boca seca e quero um bocadinho do que bebeste.” <br />O Ribeiro alçou-o com tremenda facilidade do chão e o Bernardo sacudiu-se atordoado. <br />“Desculpa?” <br />“Estás desculpado! Estás a ir ou a voltar de Salvador?” <br />“Salvador é ali?” <br />“Estás mesmo fodido... Há quanto tempo voltaste?” <br />“De onde?” devolveu o Bernardo confuso. <br />“De onde? Onde é que serviste?”, mas deteve-se a tempo de ver a confusão a inundar a vista do outro. “Pronto, pronto. Não pergunto mais. Chamo-me Joel. Joel Ribeiro.” Apontou para o nome na farda. <br />O Joel apanhou as malas do chão e estendeu a do Bernardo que a meteu às costas. Sem esforço, apoiou a sua no ombro são e seguiu sozinho para a aldeia, a arrastar poeira e pedras. <br /></div>
<div>
Deu corda aos sapatos e seguiu o soldado que tinha voltado de uma guerra algures. O Joel sorriu-o com amizade e começou a assobiar uma melodia que o Bernardo julgou reconhecer bem no fundo da sua cabeça, mas que não conseguia identificar sem saber que iria ser a sua perdição, maldição e tudo acabado em “ão” mais para a frente na vida.</div>
<div>
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe width="320" height="266" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://i.ytimg.com/vi/K0siYUjV9UM/0.jpg" src="https://www.youtube.com/embed/K0siYUjV9UM?feature=player_embedded" frameborder="0" allowfullscreen></iframe></div>
<div>
<br /></div>
André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515054964555346221.post-9237968969106069742019-10-08T22:00:00.003+01:002019-10-08T22:00:54.808+01:00WRITOBER | 2019 | OITOPatati Patata<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-I3auVwybCrk/XZz4325vzaI/AAAAAAAAUSY/W_rVyWQQCDI62vGMdguecNQYTAUZF7CKwCLcBGAsYHQ/s1600/8_10_2019.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="273" data-original-width="450" height="194" src="https://1.bp.blogspot.com/-I3auVwybCrk/XZz4325vzaI/AAAAAAAAUSY/W_rVyWQQCDI62vGMdguecNQYTAUZF7CKwCLcBGAsYHQ/s320/8_10_2019.jpg" width="320" /></a></div>
Foi tudo muito rápido.<br />
Com uma mão ao peito e ergueu-se do chão. Puxou da rapariga pelo braço e amparou-a para o corte junto à árvore, batendo com a porta. Despareceram.<br />
<br />
Passou uma hora, controlou pelo telemóvel. Uma hora desde que se enfiaram no túnel. Para poupar bateria, desligou-o e ficaram às escuras. Com as mãos e os joelhos na água, gatinhou à porta e abriu uma nesga para a rua. A lua espreitou para dentro com uma linha de claridade que os dividia. Não a podia ver, mas sentia-a à sua frente.<br />
“Ainda estão lá fora?” perguntou a rapariga a esfregar os pulsos.<br />
“Quem?” respondeu de costas, não vendo ninguém no outro lado.<br />
“Os Braços que estavam atrás de mim!”<br />
“Não vejo braços daqui...”<br />
“E a ela?”<br />
“Ela quem?”<br />
“A Porcelana Branca.”<br />
Pronto, o Bernardo encostou a porta e encarou-a. Mesmo sem a ver, mantinha uma breve memória da sua cara suja. Ali no túnel só a ouvia a debitar jargão, a respirar, a gemer, mas a fazer sentido? Ainda não.<br />
“O que estás para aí a dizer?” atirou, quase a levantar a voz do sussurro. “Braços? Porcelanas? Nada disso faz sentido! Nem sequer sei quem tu és ou porque estavas amarrada!” Depois calou-se e o eco imitou.<br />
A rapariga deixou de esfregar os ombros e olhou na direcção da voz. Ou ele achou que ela fez isso tudo. Ouviu-lhe a língua a estalar com um certo snobismo, mas a voz que ouviu a seguir saía com uma certa maturidade e cada palavra era pesada antes de ser dada. Não sentiu a necessidade de levantar a voz, falou normalmente, seguida de um eco igualmente formal.<br />
“Chamo-me Frederica de... Só Frederica. E tu?<br />
“Bernardo. Também só Bernardo.<br />
“Obrigada pela tua ajuda. Agora, viste alguém na rua?”<br />
“Ninguém.”<br />
“E que sitio é este? Não havia nada aqui quando olhei. Havia a árvore e fui contra ti!” Ele riu-se.<br />
“Desculpa, não era a minha intenção. Também não faço ideia do que seja este sítio. É a minha primeira vez.”<br />
“É uma porta mágica?”<br />
“<i>Tada</i>!” Riu-se novamente.<br />
“Pára!” E bofeteou a água para cima dele.<br />
“Estou a falar a sério! Entrei por ali, vim para aqui e saí por ali. Vieste para cima de mim e aqui estamos. Não sei o que te dizer mais, Frederica.”<br />
“Um de nós por ter-se aleijado...” atirou a rapariga com algum desdém.<br />
“Claro. E se fossem os bracinhos estarias pior.”<br />
Ela chutou mais água para cima dele.<br />
“É mentira? Afinal o que aconteceu? E porque vinhas presa?<br />
A Frederica suspirou e endireitou-se no chão molhado. Depois do que aconteceu, um rabo húmido seria o menor dos seus problemas. Andou com a mão pela água e esfregou-a enquanto se preparava para falar.<br />
“Estávamos a voltar para Coimbra quando os Braços apareceram. A turma tinha ido a Viseu para um trabalho e foi na volta que nos caíram em cima... alguém do nosso grupo abriu a boca.” Ouviu um soco na água.<br />
“Vimos as notícias. Sabíamos que a Porcelana Branca... a Mão...” e no recorte da luz, ela reparou na confusão que pairava no olhar do rapaz. “A Porcelana Branca é a General Taisa, uma das Mãos que lideram os Braços. Sabíamos que ela estava de visita à Universidade de Coimbra.<br />
Todo o silêncio, apenas aquele momento em que ela mexia com a mão pela superfície rasa da água.<br />
“Quando os nobres enviam os filhos para as universidades, eles perdem o tratamento especial e são tratados como alunos normais. Fantástico para exilados e tínhamos alguns na turma, mas hoje fomos parados pelos Braços e vi-a. Ataram-nos e fizeram perguntas.” Parou e ouviu-se o engolir em seco.<br />
“Mas começámos a lutar entre nós. Acho que acharam o traidor, mas não o vi. O Josué disse-me para fugir e aqui estou... Meti-me pelas árvores e só corri quando lhes ouvi os berros e aquela voz horrível dos Braços!<br />
“E a General?” Perguntou interessado depois de fechar a porta.<br />
“Nada...” desabafou a voz incorpórea da Frederica. “Não estaria aqui se a Porcelana Branca me seguisse...”<br />
“Porquê o nome?” sussurrou.<br />
“São títulos que as Mãos têm. De todos, só vi a Porcelana de perto. Tem o nome por causa da armadura que é tão pálida como a sua pele.”<br />
“Não é tão intimidante, pois não?” Comentou.<br />
“Também tens a história que nenhum adversário a fez sangrar.”<br />
“Manda os braços atrás de raparigas atadas e fica a ver. Uau.”<br />
“Ela mata-te antes de a veres.”<br />
“Tá. Histórias.”<br />
<br />
Outro silêncio grávido, até que ele se aproximou com um detalhe que andava a remoer: “Disseste Viseu e Coimbra?”<br />
“Disse.”<br />
“Há uma Coimbra e Viseu naquele lado?” Apontou para a porta. “E alguma aldeia aqui perto?”<br />
“Acho que sim? Não sou daqui.”<br />
“Pois, na minha porta também temos uma Coimbra, Viseu e universidades, mas sem nobres. Os que existem são uma anedota.”<br />
E se ele conseguisse ver alguma coisa, veria a cara de choque dela.<br />
“Falam assim dos vossos nobres?”<br />
“Oh, não há outra maneira! Pior são as pessoas que acreditam neles, sério. Já nos deixámos disso há anos. Vivemos numa república democrática, Frederica.”<br />
As mãos da rapariga dispararam molhadas para o pescoço do Bernardo. O rapaz que estava a cuspir na nobreza e a dizer barbaridades como república e democracia. Falharam e arranharam a cara, mas conseguiu agarrar no rapaz e puxá-lo para si. Ele tentou afastar, mas ela era mais forte.<br />
“Repete o que disseste!” Agora sentia-lhe a boca a mexer e toda a fúria e incredibilidade.<br />
“Repito o quê?” Engasgou-se, ainda a tentar fugir.<br />
“Sobre a república e democracia!”<br />
“O que tem?”<br />
Ela atirou-o contra a parede. E saltou do chão, <i>splash splash</i> contra a porta dos fundos. <i>Bang bang</i>! O coração dele e a porta. E chutou-a. Forçou a maçaneta. Splash splash para o Bernardo que já estava mais do que molhado.<br />
“O que estás a dizer... É de loucos. Funcionou?”<br />
“O quê?”<br />
“Tu nem fazes ideia. E eu tenho de voltar.” Parou, girou sobre si, disparando uma onda água para cima dele. “Estou muito agradecida” ofereceu mais calma. “Sério...” e o tom maduro voltou, com um ligeiro tempero a delicadeza.<br />
“Erm, de nada. E eu... tenho de voltar, mas parece que só tenho um caminho agora.”<br />
“Nós os dois só temos um caminho e é em frente. Ouve, Bernardo, vou ter de sair.”<br />
“Para onde?”<br />
“Confia em mim, é melhor não te dizer. O Império não anda à tua procura e tu nem existes ali! Não sabes a sorte que tens.”<br />
“Mas eu preciso de voltar para casa!” Levantou a voz para a sua porta.<br />
“Não te posso ajudar aí, mas posso dizer-te para ires até Lisboa.”<br />
“Até Lisboa...” comentou entredentes.<br />
“Sei de um homem que pode ajudar. Vi-o algumas vezes e tem as paredes cobertas de livros. Um deles pode ajudar. Diz-lhe que vens da Frederica.<br />
“Se a vossa Lisboa ficar no mesmo sítio que a minha, sei ir para lá. Obrigado...”<br />
<br />
O par saiu da gruta e a noite tinha-se feito em dia. Não havia sinal de braços ou mãos ou porcelanas. Era um daqueles dias que vinha a seguir ao outro, normal e de trabalho, mas todas as intrigas e conspirações atrás da cortina. E outros mundos com outras cidades e aldeias e livros. O grande astro no céu era cúmplice dos dois e sabiam que ambos tinham mais para partilhar. Por agora, engoliram tudo e despediram-se.<br />
“Toma” puxou-o para si e tomou-lhe as mãos. “As pessoas vão achar que és maluco. Cuidado com quem falas, sim? E se um dia precisares de mim, usa isto.” <br />
Abriu-lhe as palmas para cima e deixou cair um anel. Era todo azul roubado ao céu, com pequenas gravuras que não conseguia ler. Quando o anel passou para ele, sentiu um choque de tranquilidade que lhe disse que ela não estava a mentir. Ele iria ficar bem e aquela recordação era a certeza disso.<br />
A Frederica voltou a fechar as suas mãos sobre as dele. Sorriu-lhe um sorriso triste que dizia mundos e ele viu-a com olhos de ver à luz do dia. Ela era um pouco mais baixa do que ele, cabelo castanho preso atrás, mas mais desfeito do que outra coisa, e muito sujo. E a cara também, pequenas crostas aqui e ali. E o cheiro...<br />
Afastou-se e correu quando não viu ninguém por ali.<br />
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E o Bernardo fechou a porta para o túnel. Para o seu mundo. Olhou em seu redor e não viu piscinas, muros ou casa. Viu a Frederica a correr em direcção às árvores, a desaparecer. Enfiou o anel no único dedo onde cabia; arrumou o canivete no fundo da mochila e ligou o telemóvel que tinha a carga toda. Abriu as mensagens para o seu irmão e releu a última:<br />
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<i>Abri a porta. Até já, rapaz. </i><br />
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Lida. Ao menos isso, pensou. Desligou e atirou a mala por cima do ombro e meteu-se ao caminho, na direcção que julgava levar a São Salvador, a aldeia da sua mãe que não o era aqui.André Pereirahttp://www.blogger.com/profile/09879154517204703317noreply@blogger.com0